28.12.09

Sem pisar em falso


Se por um lado ser visto como paradigma da responsabilidade socioambiental é angustiante (lembra do caso da ecobag?), por outro há algumas vantagens. Como um presente de amigo secreto que ganhei no trabalho.

A brincadeira era uma troca de Havaianas que mais tivessem a ver com o perfil do presenteado. No dia da revelação, vi de tudo: sandálias com lacinhos, de dedinho, sem dedinho, pink, branca, preta, estampadas com motivos da natureza, do surfe, blocos de anotações em formato de solado... Entre tantas, adivinhe qual versão ganhei.

Tanise Mondejar, também jornalista da editora onde trabalho, me mimou com um lindo e responsável par de sandálias ecofriendly. Segundo Tanise, quando procurava algo para mim e tropeçou neste par, valeu o investimento de tempo e paciência por duas razões: a estampa é bem natureba, apresentando o bicho-preguiça em seu hábitat natural estilizado – “minha cara”, segundo ela; depois, a São Paulo Alpargatas, empresa detentora da marca Havaianas, destina 7% do valor arrecadado com a venda do modelo ao IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas), que é considerado uma das maiores ONGs ambientais do País, com mais de 90 profissionais trabalhando em cerca de 50 projetos entre o Pará e o Paraná.

Se você conhece meu sorriso, multiplique a imagem que tem dele por três! Se não o conhece, imagine o velho e bom jeito de mostrar os dentes de orelha a orelha. Fiquei super feliz com o presente e carinho, tanto que levei as minhas sandálias novas para passear na Cachoeira de São Francisco (Pedro David), em São Francisco Xavier, SP – cidade onde passei o feriadão do Natal sem pisar em falso.

Tá precisando – mesmo? – de um novo par de sandálias ou vai dar um presente legal para alguém? Lembre-se da linha Havaianas-IPÊ, que está em promoção no site da ONG. Saem por R$ 10 e 15 + frete! Clique aqui.







19.12.09

Pedais, os demais

das vezes que quis atravessar
a meta, a reta, minha rua
- sinal vermelho:
pedalar
não dá
São Paulo não é
para quem evita os carros,
a fumaça dos escapamentos,
o congestionamento
se precisar ir a algum lugar
em São Paulo,
não vá de bicicleta
porque aqui é assim
- se você não pedala,
pedalam você




- embora possa parecer, este não é um post propaganda anti-movimento "Vá de bike", e sim um desejo de que a realidade do ciclista na cidade de São Paulo fosse outra: pudesse ser tratado com respeito pelos condutores de veículos e que houvesse ciclovias com sinalização e capeamento adequados. Sou ciclista (exclusivamente) de parques porque não me sinto seguro para pedalar pela cidade.

13.12.09

Paula, Suane e Cachorro na internet

À espera das mães que conversavam sobre a rotina da Vila de Paricatuba, em Iranduba-AM, brincavam Paula e Suane sob a sombra de uma árvore bem no centro da comunidade.

Paula, timidamente, não diria uma palavra até que eu descobrisse seu nome, revelado pela mãe. "Então, você se chama Paula?", abri-me. "É", disse monossilábica. Eu lhe contei que tinha uma amiga com o mesmo nome, de quem eu gostava muito, que sempre achei um nome bonito etc. Ganhei a criança. Dali para a frente, eu teria uma companheirinha curiosa sobre o mecanismo da câmera e segundos de uma divertida chance de acompanhar o encantamento de quem não sabia ser possível guardar a imagem de alguém numa máquina esquisita como aquela, para depois poder distribuir por aí. Paula se animou e me contou o nome de sua amiga gulosa.

Suane, com um inseparável salgadinho, mordia as bolinhas de milho sem cessar ao passo que eu as acompanhava na descoberta da fotografia. A "Magali do Amazonas" queria ver tudo e até ser fotografada por Paula. Dava risada quando se espelhava no visor da câmera. De volta em minhas mãos, enquanto eu me esforçava para limpar o farelo de salgadinho da objetiva, um cachorro se aproximava, balançando rabo e orelhas. Magro, triste, tinha tumores nos mamilos e parecia sedento. "Olha só, um cachorro. Qual o nome dele, Suane?". "Cachorro", disse-me sem constrangimento. "Mas todo cachorro tem um nome, não é Paula?". "O dele é Cachorro". Engoli a história a seco e me mantive a clicá-las. Sem contestações.


Até descobrir os latões de seleção de lixo que podem ser vistos atrás das meninas nas fotos. De quando cheguei ao Amazonas, fui me frustrando aos poucos, achando que educação ambiental era só para quem vinha de fora, que a população de lá desconhecia o que era respeitar o meio: vi animais explorados, lixo sendo depositado languidamente sobre o rio, toras de madeira supostamente ilegais... Mas o que despontava por trás das meninas e de Cachorro era a pedagogia em função da educação ambiental.

As crianças, como Paula e Suane, que frequentam a escolinha aprendem a importância da separação de materiais para a reciclagem e de como isso pode beneficiar tanto o meio ambiente quanto a elas mesmas. Por exemplo, naquela época, a escola fazia uma campanha de arrecadação de papelão. Se eles alcançassem um certo peso da matéria-prima, poderiam vendê-la a fim de comprar o aparelho que faria que a escola tivesse acesso à internet pela primeira vez.

Obviamente, seria fundamental que o governo fornecesse o aparato para aquela escola estar plugada. Porém usar o esforço dos alunos e das famílias para obter melhorias estruturais tendo como mote a seleção de materiais e a reciclagem é uma vantagem educacional que aquela comunidade tem. Pontos para quem teve a ideia e quem conseguir executá-la.

Paula, Suane e Cachorro se dispersaram. Fui andar pela vila para conhecer um pouco mais da região, que fica a 30 minutos de barco da capital. Na volta, pelo caminho, nem sinal do saquinho que abrigava os deliciosos salgadinhos de Suane. Fica a pergunta: onde será que ela jogou aquele perigoso plástico?

5.12.09

Ecobárbara

Descia a rua Frei Caneca com visitas que eu tinha em casa. Uma delas, meu primo Marcelo. Entre nossas conversas, vejo uma amiga atravessando a rua. Vinha com umas cinco ou seis sacolas de supermercado na mão, talvez cheias de coisas gostosas para se comer em um domingo à noite.

- Oi, Bárbara! Como vai, linda? Fazendo compras, heim?

- Ai, Romulo, eu tenho tantas ecobags em casa, mas sempre esqueço de trazer para o supermercado - alertou-me como se estivesse sendo julgada por mim. Assim seca, direta, sem rodeios.

Eu mal sabia o que falar. Fiquei atônito, por segundos, sem movimentar um músculo da boca. Minha graça estava estatelada no meio-fio. Só me perguntava: "por que será que ela se justificou? Só lhe perguntei se fazia compras... nada mais".

Meu primo nos jogou coletes salva-vidas: para mim, por ter quebrado o silêncio além-estratosfera que me constrangia inteiro; para Bárbara, por tê-la confortado com um discurso libertador, que a faria temer menos o meu olhar de "feitor ecológico, juiz de toda e qualquer ação contra o meio ambiente". Ele explicava-lhe que, se todos deixassem de usar sacolas plásticas, muitos perderiam seus empregos. Portanto, em vez de um problema ambiental solucionado, haveria um social ainda mais importante - concordo.

Em tempo, respiramos fundo, eu e Bárbara - cada um no seu fôlego aliviado -, e nos despedimos.

Posta a crise: o que as pessoas pensam sobre mim, sobre meu comportamento ambiental?

Segundo a criativa e perturbadora sentença de Marcelo, filósofo e meu primo nas horas menos filosóficas, meu trabalho e esforço diário consistem em fazer uma lavagem cerebral nos meus colegas, amigos e leitores, conduzindo-lhes a um pensamento ecoterrorista, escravizador e desumano. Ainda de acordo com sua imaginação, quem foge das minhas rédeas leva chibatadas com um chicote feito de garrafas PET recicladas - ok, admito, esta última foi engraçada.

Confesso que, de alguma maneira, a imagem que muitos têm de mim me incomoda. Não sou ícone da consciência ambiental, tampouco mártir da revolução ambientalista. Sou, sim, alguém que se importa com o impacto das minhas ações sobre as coisas, animais, pessoas e espaços. Minha bandeira é verde, mas não a elevo em vão. Tudo tem seu tempo. Eu ajo pelas beiradas, como uma boa formiga faz para carregar uma folha de bananeira até o formigueiro. Odeio ser pressionado, logo não pressiono.

É certo que usar sacolas plásticas com alguma atenção e economia pode contribuir para o não-desperdício. Se você recusar aquelas três sacolas que o empacotador do supermercado insiste em colocar duas caixas de leite dentro delas, seu feito já terá algum benefício ambiental. As ecobags são uma mão na roda no dia a dia, mas as sacolinhas de plástico têm seu valor funcional. Vez ou outra, aqui em casa, de tanto usar ecobags (tenho uma coleção imensa, que tento doar sempre que posso), temos um déficit de sacolas plásticas e não há onde colocar o lixo orgânico ou o selecionado para descartá-los. Por isso, ser razoável é a melhor maneira de agir.

Se der para carregar a ecobag com você, ótimo. Caso não, traga as sacolinhas plásticas para casa sem culpa. Use-as quando necessário. Prometo não dar chibatadas com dores de PET se vir sacolas plásticas em vez de ecobags quando nos encontrarmos na volta do supermercado.


Ah! E a primeira pessoa que fizer um comentário sobre este post, leva a ecobag da foto. Mas precisa dizer: "eu quero a minha ecobag sem chibatadas".

26.11.09

Por um filho nada Xurumambo

O que você verá a seguir é, senão irritante, constrangedor no mínimo. É daquelas coisas que se lê a primeira, a segunda, a terceira vez... para entender de onde vem tanta ignorância. Como pode um ser se expressar dessa maneira, na contramão de um movimento mundial que é urgente e prioriza o bem-estar de gerações atuais e futuras?

Garimpei esta pepita em uma de minhas visitas ao You Tube, para assistir ao ótimo e educativo “The Story of Stuff”. A pessoa se denominava "Xurumambo" e comentava o conteúdo ecopanfletário do vídeo.

Prepare-se para fortes emoções: 

“Ainda está para nascer o Sol que vai iluminar o dia em que eu vou ficar menos tempo embaixo do chuveiro pra economizar água pra algum filho da puta que vai nascer daqui a 20 anos. Ou deixar de andar na minha 4x4 queimando litros e litros de gasolina sem a menor pena. Bando de fodidos do caralho. Ecologia é a típica consciência do pobre: socializar a miséria. Se o planeta não aguenta, então ele que se foda, eu quero é gozar!”

Há pais que passam toda a sua existência se projetando na vida dos filhos, desejando que eles sejam médicos ou empresários bem sucedidos, preocupados com o que os outros irão pensar se seus rebentos forem gays ou adeptos de um baseado. Mas eu, se tiver um filho algum dia com a cabeça de um Xurumambo desses, vou pedir para a encomenda voltar para o remetente, exigindo indenização por danos sentimentais e frustração, temperados com colheres cheias de decepção e revolta. Prefiro não ter filhos a conviver com um sujeito assim.

E você? Quanto tempo a menos pode ficar debaixo do chuveiro ou deixar seu 4x4 na garagem quando nem precisa dele? Alguém vai ter de compensar os estragos que um Xurumambo faz por aí. Se eu fosse você, em vez de ensinar seu filho a dirigir com 10 anos de idade – para mais tarde queimar litros e litros de combustível –, preferiria mostrar os benefícios de pedalar em um parque longe das cidades poluídas. Aqueles parques preenchidos com ar que rasga o peito de tão puro.

Ao contrário do que Xurumambo prega, Ecologia é a típica consciência de quem se importa com o outro e consigo mesmo, para que todo mundo goze sem f**** o planeta.

18.11.09

Atire a primeira semente!


Um jardim construído por pássaros, insetos e ventos sobre as ondas cerâmicas manchadas por limo e sol. Descendo as ruas de Tiradentes, MG, minha surpresa foi me deparar com um "telhado verde" feito naturalmente. Admirável. Sei que o conceito de telhado verde é outro, apresenta outras características, só que não dá pra negar a beleza da formação espontânea disso aqui e lembrar de quão ecologicamente interessante pode ser uma ideia assim.

Repare como as plantas se dispõem quase que milimetricamente organizadas sobre as telhas úmidas desta casa, ricas em matéria orgânica para a alimentação das espécies. Embora pareçam resistentes, a chuvinha que cai na cidade dá uma mãozinha para as plantas sobreviverem. Queria saber quais espécies são essas. Alguém tem pistas de seus nomes?

Que tal dar uma ajudinha à natureza e começar a semear sobre as telhas de sua própria casa? Se seu jardim suspenso tiver um grande volume e for bem planejado, ele ajudará a equilibrar a temperatura e dará um pouco de umidade ao interior do seu cafofo, e seu ventilador ficará descansando um pouco no verão. Vai ser economia de energia para esbanjar bem estar sem culpa.

Se acha que uma fachada como esta é ousada demais para você, comece pelo telhado da área externa, da churrasqueira por exemplo, e me conte se fizer alguma diferença no frescor. Para minha tristeza, moro em apartamento, mas se eu tivesse uma casa assim, atiraria a primeira semente agora - de vidro ou barro queimado, qualquer que fosse o meu telhado.

15.11.09

Travessia


Aquele sol fervia meu cérebro a 42º C. Enquanto me aproximava para fazer fotos do igarapé do Educandos, em um dos bairros de Manaus com o mesmo nome, ele vinha ligeiro. Passava o remo sobre a água do Rio Negro na mesma força com que se corta manteiga gelada. Entre o barulho da água, o som oco do barquinho batendo no cais improvisado me dizia para me aproximar.

"Olá, tudo bem?", perguntei. A resposta foi um queixo afirmativo e cadente, seguido do levadiço chapéu na cabeça. Nada mais nos segundos seguintes, só as investidas aberturas do diafragma da minha câmera eram ouvidas. Até que descobri o que ele fazia ali.

Entre uma margem e outra do igarapé, há uma ponte para se fazer a travessia, mas qualquer manaura (quem nasce em Manaus) que trabalha no porto ou vai ao mercado municipal e tem um troco sobrando prefere pagar R$ 1 para cruzar o rio de barco, que é mais rápido e suportável que enfrentar o sol a pino. A viagem dura menos de dois minutos. Se fosse pela ponte - como burramente eu fiz - seriam necessários 20 minutos.



Embora o rio ainda esteja passando por uma limpeza e revitalização, sobra lixo para todo lado. E é desse lixo que o barqueiro vive também. Nas horas sem passageiro, ele sai catando objetos de plástico e alumínio que boiam no rio ou estão se degradando pelas margens. "Quando não tem ninguém, a gente fica tirando o lixo daqui", diz numa rouquidão de garganta seca ou de quem não mais estava a fim de papo. Preferi a segunda possibilidade. E emudeci.


Ele ficou parado sem me dizer seu nome, o que fazia com o lixo depois e de onde era. Mas isso eu só descobriria mais tarde, quando conheci uma outra barqueira, cuja certidão de nascimento havia sido comida por cupins, o que lhe faz não saber precisamente sua idade. Sobre ela, falarei (muito) em outra oportunidade.

O abre-fecha do diafragma voltou a anunciar sua presença, em meio aos pássaros que piavam algum sinal de vida vez ou outra no igarapé do Educandos: úmido, quente e infelizmente sujo.

Virou o quê?

Tá vendo este suporte para notebook? Advinha do que ele é feito? A resposta foi tão óbvia quanto a infinidade de coisas que um caixote de feira pode se tornar. O pretinho ao lado foi feito por mim e, acredito, é uma ideia original que quis compartilhar.

Eu andava à procura de um suporte barato em uma dessas lojas de informática, mas foi no meio da rua que veio o insight. O caixote estava encostado na porta de uma pizzaria, todo sujo de tomate, pedindo para ser adotado. E eu o trouxe para casa - onde já havia três como rack para TV e display dos meus CDs!

Neste caso, a dica é usar caixotes de feira com profundidade compatível com a altura de suas pernas deitadas ou cruzadas (lembre-se que você pode ter de passar horas em frente ao notebook durante um longo dia de trabalho...). Escolha um caixote com estrutura firme, limpe-o para evitar que embolore no futuro e separe algumas ferramentas, como martelo e chave de fenda.

Inicialmente, entre as laterais mais longilíneas da caixa, determine qual será aquela por onde suas pernas irão entrar. Force a saída das ripas com a chave de fenda, inserindo-a entre as frestas, e use o martelo para concluir o serviço. Tenha cuidado para não danificar seu caixote. Martele com leveza. Sugiro que, em um dos lados, deixe uma ripa pelo menos. Ela dará resistência e será valiosa para sua pintura na hora de customizar.

Para dar nova cara ao caixote, usei uma tinta multiúso spray (que ganhei de uma assessoria de imprensa, mas você pode usar qualquer tinta de madeira que sobrou de alguma reforma. Se usar pincel, vai ser mais fácil e saudável para você e o acabamento será melhor), fita crepe para marcar o desenho como um estêncil às avessas, jornal e adesivos.


Forre o chão com jornal, use a fita crepe da espessura que desejar e marque desenhos para sua caixa delimitando as regiões onde a tinta não cobrirá. Pinte toda a extensão dela, deixe secar por tanto tempo indicado pelo fabricante da tinta e retire a fita crepe em seguida. Arremate com adesivos. Para o meu suporte, eu usei aquelas versões de adesivos para parede - que ganhei também!

Olha, eu estou adorando usar meu notebook em cima do suporte. E, de vez em quando, até o uso como mesinha para comer alguma coisa em frente à TV. É prático, seguro e, para mim, teve custo zero!

Tente.

14.11.09

Antonia prova que lacre de lata é arte e não lixo


Ao abrir a porta, ouve-se o tilintar dos lacres de latinhas de alumínio que servem de cortina na casa de Antonia Romano, de 74 anos, na Vila Formosa, em São Paulo. Cada pedacinho da casa tem um toque metálico. Porta-lápis, bolsas e ímãs de geladeira são parte do trabalho dessa aposentada que, por acaso, se tornou artesã e agente ambiental.


Antonia gostou tanto de um presente dado por sua sobrinha, uma bolsa feita de crochê e lacres de alumínio, que resolveu reproduzir o modelo e inventar produtos.

'Por aquela bolsa, eu fui tirando ideias, inventando uma coisa e outra. Fiz cortinas, vestidos.' Os lacres chegam à sua casa por meio de doações de vizinhos e parentes. Todos os que conhecem o trabalho dela nunca se esquecem de guardar a matéria-prima. Em troca, recebem presentes e gratidão.

'Só na cortina da janela, foram 3.600 lacrinhos', revela Antonia. Em vez de ocupar aterros sanitários, onde podem demorar 200 anos para se decompor, esses lacres metálicos são reaproveitados e ainda ajudam a complementar a renda da artesã. Ela sabe que os lacres, assim como as latas, são recicláveis, mas prefere transformá-los em artesanato. Antonia não guarda os segredos do que faz: já compartilhou sua arte com muitas pessoas.

'Dá para ganhar um trocadinho', diz outra aposentada, Maria Zochi, de 74 anos, que se tornou artesã por influência de Antonia. O que Maria aprendeu com a amiga serviu para gerar renda e passar o tempo.

Aparecida da Silva, de 43 anos, outra aprendiz do grupo, é mãe de uma criança deficiente e produz em ritmo acelerado bolsas de crochê e lacres para ajudar a pagar o tratamento do filho. Assim como a mestra Antonia, ela é consciente de seu papel ambiental. 'O que eu faço vai se transformar em coisas bonitas e não vai ser jogado no lixo', explica Aparecida.

O artesanato produzido por Antonia e Maria é uma alternativa ao ócio, comum na vida de idosos. O crochê e os lacres devolveram a oportunidade de interagir novamente com pessoas fora do círculo familiar.

'Uma atividade artesanal contribui para o desenvolvimento de habilidades psicomotoras e cognitivas, além de favorecer a ampliação do repertório social, para o contato com outras pessoas e, em alguns casos, a geração de renda', diz o psicólogo Salvador Rebelo, secretário do Projeto Revivendo, comunidade da terceira idade da USP/Bauru.

Quem adquire algum de seus produtos logo os divulga para outras pessoas. Assim, as artesãs recebem mais fregueses em casa. O brilho nos olhos de Antonia ao falar de seu artesanato reflete tudo o que já produziu. Orgulhosa desse trabalho, ela não se esquece de mostrar os vários certificados pendurados na parede da sala. Em destaque, o de agente ambiental, recebido por multiplicar seus conhecimentos numa oficina da qual participou.

Além disso, Antonia afirma que sua produção não vai parar tão cedo. Salvador analisa: 'Considerando-se produtiva, ela se distancia do universo de rejeição, preconceito e exclusão que cerca o idoso.'

Quem quiser aprender o que faz a artesã, basta visitá-la, na Vila Formosa, bairro da zona leste. É possível conferir a produção de alguém que, em referência às conhecidas organizações não-governamentais, pode ser chamada de 'indivíduo não-governamental'.

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O Estado de S. Paulo, em 26/09/06 - Autor: Romulo Santana Osthues

Primeiro passo

Acompanho a rede Ecoblogs, uma iniciativa do grupo Mapfre, há quase um ano. Muitas vezes, os posts dos autores da rede (Rodrigo, Isis...) me oferecem joias como fontes de pesquisa e inspiração para meu trabalho na coluna Ecodécor, da revista Casa & Decoração*.

E foi assim, pesquisando entre os Ecoblogs, que eu me dei conta do que faltava para mim, do que eu poderia realmente escrever sobre e ser lido por uma audiência interessada.

Até amanhã, terei de inscrever este blog - pensado, desenhado, refletido em quatro dias - para concorrer à vaga aberta na Ecoblogs, o que traria uma ampla divulgação, além de fazer parte do rol de bons agentes ambientais que são os blogueiros de lá. Embora a oportunidade da Mapfre tenha sido um estopim para o que pretendo com a criação deste espaço, não deixarei a ideia esmaecer caso não consiga a vaga. Esta é uma empreitada pessoal acima de tudo.

Meu trabalho consistirá no relato sobre a extensão do meu dia como pesquisador, leitor, repórter, escritor e sujeito consciente da minha função ambiental. Sem ecoterrorismo, proponho leveza nos posts, elaborados de forma inspirada e informativa. Abordarei muitos temas por aqui, entre eles: ecoturismo, ação sustentável, projetos socioambientais, atitudes que fazem a diferença, literatura, fotojornalismo... Mostrarei ideias, depoimentos, poemas, reportagens, perfis, ensaios, roteiros turísticos, relatos, videos e fotografias - e o que mais aparecer e merecer atenção.

Para me dar sorte, o segundo post será um resgate daquele que foi o primeiro texto jornalístico que escrevi sobre a temática, publicado pelo jornal O Estado de São Paulo por conta de uma premiação - parte de uma semana de debates sobre sustentabilidade e jornalismo promovidas pelo grupo.

Primeiro passo dado, primeiro post feito. E que a divulgação seja feita de boca a boca, melhor, de link em link por quem me ler.

Volte sempre.

* o que escrevo para a revista Casa & Decoração é de exclusividade da On Line Editora, portanto, nada do que você lerá aqui estará nas páginas da publicação, tampouco o contrário será verdadeiro.

9.11.09

só rindo

num mar que não está pra peixe,
tampouco amor encontro

por isso, tentei mergulhar
num rio
para saber se meu problema com o futuro
seria pressão alta ou diabetes
correndo nas veias

só que a vida não é tão, assim,
salinidade ou doçura,
ela feita de lágrimas imprevisíveis

sal e açúcar em punho,
esperei o nosso encontro
com o mesmo sentimento de quem aguarda
uma bagagem na esteira de um aeroporto:
eu, três pombos se debatendo no estômago;
e a mala, rótulos estampando fragilidade

vesti camisa passada,
ri para expor a pasta de dente
e desgrenhei sistematicamente o cabelo
para te ver

era minha tentativa
de poder ser par,
ser ambos,
sermos nós dois

mas sou só,
sou só mais um,
já que trouxe nas mãos
a sua mochila cheia de vocês
e me deu, como um souvenir,
o retrato falado
de quem é sua felicidade


frustrado, me sobra é o que,
neste Rio ainda só seu,
sorrio

para não chorar

30.8.09

recusa

você me deu água na boca,
uma vontade de adoçar metade
da xícara quase cheia de café
que lhe propus

me apresentou os olhos,
os dedos sujos de evitar escombros
e foi embora como quem renega o entulho

não quis conhecer minha letra,
porque a capa do caderno se mostrou
manchada demais

abandonou vestígios
- como quem come chocolate
em dias quentes sobre os lençóis

você me deixou sem dizer meu nome próprio,
completo, como eu quis que me conhecesse
a íntima identidade

me negou uma chance de oferecer
gotas de adoçante e palavras mornas

por isso,
tomarei chá de cadeira
enquanto me recusar
esse café a dois

23.8.09

procuram-se

o poeta procura
dedos,
olhos,
inspiração

a palavra procura
cálice,
veículo,
desejo

tenho um poema com fim, meio e começo

mas me falta
aquele sabor,
aquele tempero,

- sabe?

que não é acento,
que não é pontuação
e que a gente só conhece
o que é
quando é e ponto

falta-me a primeira letra
do versículo que você me pede

sobra-me transpiração
sobre os braços cheios
de água salgada
sobra-me suor nas axilas e mãos

abrace-me em meu mar
no nosso encontro próximo

procuro resgate antiperspirante

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Para Carmezim, com suor e amor.

A morte de Pitty, meu cachorro


"A cachorra Baleia estava para morrer. (...) Uma noite de inverno, gelada e nevoenta, cercava a criaturinha. Silêncio completo, nenhum sinal de vida nos arredores. (...) Baleia respirava depressa, a boca aberta, os queixos desgovernados, a língua pendente e insensível. (...) A tremura subia, deixava a barriga e chegava ao peito de Baleia. Do peito para trás era tudo insensibilidade e esquecimento. Mas o resto do corpo se arrepiava, espinhos de mandacaru penetravam na carne meio comida pela doença. Baleia encostava a cabecinha fatigada na pedra. (...) Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás".

Acima, uma alusão ao que por 15 anos temi. A morte de meu cachorro Pitty. Lembro-me de que, quando li esse trecho do livro Vidas Secas, de Graciliano Ramos, pela primeira vez, fiquei muito emocionado, lacrimejante ao imaginar a morte de meu próprio cachorro e surrealizar uma imagem para quando Pitty se fosse. Enfim, ele partiu há pouco, fugindo de casa por um portão que não conseguíamos trancar e que sempre está aberto para todos - sejam gatos, cachorros, periquitos e gente -, que é o portão da morte.

Quase um mês depois, hoje, consigo escrever algo sobre ele, sobre a despedida que não tive, sobre sua ausência daqui para frente. Talvez, você não compreenda uma só palavra disto aqui, mas saberá que é meu modo de purgar sua perda ao lembrar do que ele gostava ou não de fazer pelas bandas de onde vivíamos.

Quero, justamente, pensar que sua morte tenha sido tão bela quanto a de Baleia, com dores literárias e incertezas poéticas. Não por uma hidrofobia ou bala na carne - como a de Baleia -, mas por um suposto câncer nas tripas. Pitty sucumbiu ao corpo velho, arqueado e gordo, de olhos desatentos pela catarata que já enuviava não só o prato de comida à sua frente, mas também os estalares de dedos nossos que lhe despertavam o ânimo e os sorrisos que o faziam balançar o rabicó.

Depois do sofrimento, nem as poderosas lágrimas de minha feiticeira mãe impediram a partida. Pitty quis dormir, como Baleia quis. Acordou num mundo cheio de pratos de carne moída transbordante, carnes puras, sem nervos, umedecidas por um sangue temperadamente ácido e delicioso, gostoso de lamber até o fim e ouvir o alumínio do recipiente ranger no chão. Lá, as carnes moídas são servidas em fartura, sem qualquer regra, portanto seu estômago de alguns mililitros é que dita a fome e a hora de parar.

É um mundo sem crianças barulhentas, sem portas e pés-de-cadeiras irritantes, sem vassouras para lhe causarem arrepios. É um mundo sem coleiras, grades ou portões para evitar sua fuga. Nas ruas do novo bairro, ele agora corre solto por entre pneus milimetricamente arranjados no asfalto. Neles, seu pipi derrama jatos de urina com um componente nítrico chamado "território de Pitty".

Quando não está marcando território, comendo ou correndo atrás de gatos desconhecidos, Pitty vai para a academia. É, na verdade, um grande galpão onde garrafas PET aguardam por serem recicladas. Sem hesitar, qual não é seu prazer em derrubar as pilhas de garrafas só para ouvir aquele sonzinho semioco delas caindo no chão. E brincar de escorregar sobre as garrafas, mordendo-as vorazmente, grunhindo, tentando destruí-las com seus caninos dilacerantes sem que ninguém lhe obrigue a parar por conta do barulho que sua brincadeira faz.

Na volta para seu lar novo, Pitty passa pelo muro onde mora Xandó - gato parceiro que, entre outras coisas, era seu consolo sexual quando ambos viviam - para trocar uma ideia sobre o dia e falar da saudade de quem ficou na velha casa da Boca do Rio, onde compartilharam dos melhores almoços, das impiedosas longas horas de espera por todos que viajavam ou das gatinhas e cadelinhas da vizinhança.

Depois do bate-papo entre amigos, é hora de descansar para mais uma rotina de prazeres caninos num paraíso que nunca terá fim. Embora não tenha levado consigo a grande almofada vermelha onde dormia em minha casa, ele tem agora um colchonete branco como nuvem para deitar o corpo café. Pesado, escorrega um pouco as gorduras, conforta os ossos entre as envergarduras da espuma do colchão, deita-se sobre as duas patas da frente nas quais descansa o focinho e escorre as longas orelhas sujas de terra e comida. Antes de, costumeiramente, roncar e peidar durante o sono, pensa: "que sejam abençoados, em todos esses dias santos, meus entes que deixei, minha carne moída de cada dia, e os banhos que aqui não preciso tomar".

AUmém.

14.3.09

autossonoro

no segredo da buzina,
há um som que grita meu nome,
que não é grafado em naftalina
porque não tenho desejos voláteis

há uma alma
há uma alma
alma há uma
alma, alma
aqui dentro

caixa acústica onde deixei
meu beijo, meu cheiro, meu lápis

não espalho a cor da minha vida
porque caneta alguma risca incolor

ressonância:
alma, alma
alma há uma
há uma alma
há uma alma

eu sou o som presente imperfeito
do que cantei lá atrás

eu sou a onda curta
que o verbo nem quis conjugar

eu sou a histeria muda
de um homem que canta triste,
em falsete

eu moro no segredo da buzina

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A partir deste post, seguirei as regras do novo acordo ortográfico.

O que me sobrará

“No final da vida, o que sobra? O amor”. Com essa frase, meu amigo Guilherme Mota preencheu o intervalo entre um gole de cerveja e outro. Falávamos não me recordo exatamente sobre o quê, mas tenho a sensação de que era sobre dinheiro, posses, experiências e o valor que aplicamos às coisas. Lembro dele falando sobre os idosos que, em seus momentos derradeiros, especialmente os ainda não-viúvos, valorizam seu bem de maior grandeza: um amor gotejante e intenso.

Aquela frase me tocou de maneira tal a ponto de eriçar a pele e cair, profundamente, numa reflexão instantânea, daquelas que nos arrebatam para sei-lá-onde. Por alguns pedaços de minuto, revirei da memória quais amores posso valorizar hoje para não deixar que, no futuro, as sinapses mais preguiçosas da velhice me impeçam de desfrutar deles. Sou capaz de amar um gesto, um objeto, animais e, mais ainda, gente.

Tenho no peito as letras guardadas dos amores que têm nome, categorizados em suas instâncias, como a família, os amigos, os bichos e os amados em devir. Basta acessar aos poucos as pastas na caixola para sentir a efervescência deles. Minhas orações estão sempre em torno de pensar nos que amo e protegê-los de perto ou de longe. Ainda que eu não tenha presença, ciência ou potência o bastante para mobilizá-los, sou um “oniamante” de carteirinha – assinada com impressões digitais, menos suscetíveis a fraudes como minha rubrica.

É com essa vontade de amar sem medida que procuro alguém (da categoria “amados em devir”) para estar ao lado e fazer caminhos áridos ou frutíferos. Sim, choro em casamentos, comédias e dramas românticos, e até lendo livros de histórias nas quais o amor é vencedor. Assumidamente dramático e sonhador, ando nas ruas a verificar se quem disputa comigo corredores e calçadas tem o que é necessário para compartilhar anos de amor a fio, com carretéis de linha intermináveis e boas alfinetadas por vezes necessárias.

Quero, como uma criança, borbulhar com canudo um refrigerante para arrancar sorrisos ou olhares de reprovação. Quero entregar bilhetes com poemas fresquinhos sobre a cama tórrida ou com pedidos de desculpas pelas traquinagens que fiz. Quero me perder em mim, com olhos distantes, e, se questionado com insistência, revelar que estava gozando o silêncio entre nós dois.

Não vai ser fácil, mas enfrento o desafio diário da conquista, da descoberta e da angústia de pensar se terá fim. Já amei muitas vezes, amarei outras mais como se fosse a única – destaco o “como se fosse” – porque vi que é bom e me viciei. Se até mesmo uma amiga minha que pregava só existir um amor na vida mudou de ideia, por que eu não daria cabo de amar de novo? Eu, que cheguei a pensar em me casar de tênis All Star e sair montado numa Vespa italiana, mesmo odiando motocicletas, não deixarei de apostar na dúvida de poder destilar meu amor fabricado com as melhores essências que possuo.

Assim, minha postura a ratificar: valorizar constantemente os amores do passado, do presente e os que terei, pois, seguindo o que me alertou Guilherme, serão eles o que me sobrará afinal. E sinto que preciso de fartura.

12.3.09

Movimento de um sem-tempo

Faz alguns anos, não sei o que é manejar meu tempo direito. Consulto os relógios, repetidamente, para checar quando devo entregar as matérias para meus editores, fazer as contas da casa, o momento exato de entrar na aula da academia, em que instante ligar para meus pais, responder e-mails dos amigos, ler um trecho de um livro, as notícias do dia... faço tudo isso contadinho, minuto a minuto, para não me atrasar. É uma rotina que me cativa, me agrilhoa como um velho marujo preso em uma praia em que as pedras afundam navios. Eu estou lá no fundo, quase esquecido.

Aos 25, tenho receio de perder a vicissitude da época em que tudo poderia ser mais espontâneo, menos vicioso e mais perene. Ao passo que a areia escorrega na ampulheta, percebo minhas experiências perdidas naquilo que não mais posso recuperar e é tão evanescente quanto um incenso: minha vida. Sou escravo do tempo, que me prende num pelourinho e chicoteia, deixando chagas na pele e cerceando minhas memórias. Nem meditação consigo fazer porque minha ansiedade tem a ver com o futuro. Sou faminto pelo instante-próximo – e me sinto insaciável.

Enquanto escrevo, pergunto-me até onde (e quando) quero (ou posso) ir com isto aqui. Olho no canto do monitor para checar se é hora de dormir ou se tenho mais alguns minutos para me prolongar na experiência deliciosa de redigir sem compromisso. Porém faltam seis horas para eu me levantar e driblar o sono que acumulo diariamente. Então, lembro do maior símbolo de descompromisso que tenho perto de mim.

Na sala do apartamento onde moro, existe um relógio de parede emperrado há quase dois anos. São sempre 4h10m42s. Não adianta trocar as pilhas, nem levar para o conserto. Nem o quero fazê-lo, assim como meus amigos que o compartilham – e moram – comigo. Talvez tenhamos um desejo inconsciente de que, enquanto estivermos em casa, só haja movimento lá fora, só haja caos no entorno e que perdure tranquilidade entre nossos metros quadrados de lar.

É comum varrer o apartamento em busca de objetos que revelem as frações de tempo e, instintivamente, olhar para o tal do relógio que quem nos visita julga não ter utilidade e questiona “para que esse relógio parado?”. Para que os ponteiros, invariavelmente no mesmo lugar, aliviem-me com um quase gozo ao me dizer que nada mudou, nada se perdeu entre os milésimos atrás e o agora. E é nesse intervalo que me vem à cabeça a máxima de Raduan Nassar, em seu livro Lavoura Arcaica: “O tempo é o maior tesouro de que um homem pode dispor. Embora inconsumível, o tempo é o nosso melhor alimento”.

Por isso, gostaria de fundar um movimento para unir os que se alimentam do tempo e desejam saboreá-lo vagarosamente. Topa? Siga um conselho de quem não sabe lidar com ele, mas, pelo menos, vem tentando. Garimpe um relógio, evite as pilhas e registre nos ponteiros o seu melhor instante do dia, aquele que será alarme silencioso para suas pequenas fugas de rotina. O relógio, certamente, revelará quantos segundos ainda faltam para você se dar conta do que está por vir: os gritos de seu miálgico coração, vívidos e incoerentes como os reflexos na paisagem de uma alma cujo corpo o tempo não poupa.

22.1.09

há teus pés

fazer de praias
os campos por onde quero deitar-me
e, então, verdejar

do branco arenoso que sustenta
o blues do oceano
quero somente um brilho
que enriqueça meu leito natural,
um tapete-grama para me estirar contigo

da paisagem de sol escaldante, mar fresco e chão movediço,
seguir aos vales, cerrados e rios
que não existem no litoral
pode ser o meu destino

acompanhado - que seja - o meu desfrute,
pois, à nossa altura,
há horizontes em devir,
há ruas a caminhar,
há peles inflamáveis
- as peles nossas

guardo, em quase segredo,
as coisas boas que tivemos
para, num próximo encontro,
poder poetizar a minha saudade
no íntimo dos ouvidos teus

sou um advérbio solitário
que busca a palavra certa,
o verbo ideal,
para dizer "sim, aceito"

hoje, confesso não estar a teus pés,
mas agradeço porque há teus pés
para te ver dançar aquele samba