29.5.15

mangueira

Com o amadurecimento - manga amarelando, carcomida por passarinhos, machucada pelo que a vida é de fato: essa brutalidade -, venho, finalmente, dando significado ao que é "se endurecer" e como isso é importante frente à realidade. Sim, estou endurecendo-me, principalmente, quanto ao que machuca a humanidade que desejo preservar em mim. Estou endurecendo-me, repito. Mas não perco a ternura, definitivamente, de vista. Ainda que, vez ou outra, ela se esconda entre as maçãs, as bananas, os limões inertes na fruteira sobre a mesa. A ternura tem cheiro de manga, difícil de ser confundida com qualquer outra fruta, e é suculenta quando madura. Duro é seu caroço. O duro é ser caroço. "Chupo essa manga" e me lambuzo naquela célebre frase do Che Guevara. Há de se chegar ao caroço, mas jamais desperdiçar a polpa.

então, tá

camisa estampada, calça lisa
meia invisível, tênis cano baixo
rosto redondo, óculos retangulares
barba volumosa, cabelo à máquina
música? independente - por amor
se dia, fraco perfume
olhos cruzados, um papo vem
beijo bom sabor melancia, tudo a despir
caso role, só com camisinha
gostar da tattoo escondida, uma ligação no dia seguinte
e fica tudo meio que combinado assim:
seus significantes, nossos significados

o poeta é um fabulador

Se não me emendo às vezes em uma conversa séria é porque fico na "reparação": dúbia palavra, que ora costura uma poética, ora me faz olhar fixamente meus arredores. Me evanesço na observação da paisagem e de seus habitantes (coisas, bichos-outros e bicho-homem), esperando os conflitos que nela e entre eles se impõem, sobrepõem-se. Por isso, gosto mais de escrever fingimentos do que relatórios.

Posso confabular, né?

Os salva-vidas ficam nesse mesmo exercício. À frente, uma paisagem de risco. Uma beleza traiçoeira de força fenomenal. Cada câimbra é um evento. Crise no mar. Mocinhas e mocinhos em beijos de cinema, fôlegos em ultrapassagens, avanços de sinais, e massagens no ego - ainda que cardíacas.

Quando um acidente? Quando uma fatalidade?

Todo mundo deveria se permitir a simulação de um afogamento um dia. O faz-de-conta é um bom pedacinho da existência, um zelo consigo mesmo, um colete flutuante.

Finjo esse bote inflável. Ou inflo esse bote fingível. Justo porque não me dá pé só molhar os dedinhos e a nuca em marolas frouxas. Meu brinquedo é abissal. Yellow submarine.

paraquedas 3

Fale o suficiente. Escute sem medida. Motoristas e não motoristas agradecem.

...

Viver é present continuous. Não resista à existência. Corpo presente. Alma idem. Experi/m/ente.

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Se mudá-lo parece tarefa impossível, deixar o mundo menos feio pode ser um plano Z. Finalmente.

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A brecha, o breu, o bruto. A identidade está não só em nossas ranhuras, mas nas cargas de tinta que conseguimos amparar na superfície. Enquanto o interno for um buraco negro insaciável, a pele será essa tábua de textos e texturas impossíveis de (se) interpretar.

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No consultório do oftalmologista, entre Caras, Claudias e cia., uma pilha de VEJA. "Quanta miopia na sala de espera, doutor!", assim eu enxergo essa ironia... Para minha luz, ainda bem que minhas pupilas já estão dilatadas. Trocarei os óculos, mas me manterei de olho no todo, em tudo.

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Enfim, me equilibrando sobre esta linha tênue e movediça entre a faixa etária e a faixa etérea, eu consigo um bocadinho de tranquilidade. Fiz as pazes com o tempo, procurando reconhecer a duração das coisas em vez da trajetória dos ponteiros. É possível. É possível!

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Ainda há frestas. Há festas de afeto! Não há ódio que resista a um prédio sob nova habitação. Nós, os afetuosos, unamo-nos para ocupar/tilhar cada metro quadrado desta casa abandonada dentro do Outro.

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Meu pensamento tende a se palavrear com a extrema-canhota. Tô avaliando uma reforma cognitiva para evitar conflitos de interesse entre minhas mãos. Não quero ter uma (mão) direita dominante que aprendeu com cartilhas e caderninhos de caligrafia a se "manter na linha". Discurso de ódio não é o mesmo que fazer oposição. De que lado da cama latifundiária se consegue dormir tranquilx depois de apregoar desumanidades? Hein? Pela ausência de uma confortável queen size, tenho dormido num tatame sem fim, estendido em meu íntimo, que é um vasto território de lutas ideológicas entre mim e o que compreendo vir do Outro. Não reparem no t(r)emor deste mal de Parkinson.

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A felicidade é resultado de um paisagismo cuidadoso.

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Namoradeiros. Um escândalo na vizinhança. O verde-amarelo é a fantasia, o fetiche dos papagaios. Mas o canto é da nudez. Tenho preferido o acasalamento ao sexo (de ocasião), como eles, ultimamente. Bico com bico, asa com asa. E ninho.

saia para rodar

Tecendo comentários sobre o reencontro, eu te faria uma saia. Daquela de mesmo tipo, que não me saiu nunca da lembrança. Te faria uma saia para teu gênero. Uma saia de chita, com florimentos e floreios. Uma saia com uma única orientação: saia para rodar; e virar minha cabeça. Alfaias no peito de um alfaiate.

invocado

Cada vírgula tua no devido lugar gera créditos. Eu me apaixono, especialmente, pelos teus vocativos que dizem respeito a mim. E eu honro com os acordos que me excitam. Enquanto os corretores dos celulares não souberem como organizar a inversão da ordem de nossa Língua, eu confiarei em nossas línguas, sem pausas, se encontrando no céu e no inferno de nossas bocas. Eu te devo meu fôlego, moçx.

20.5.15

do público da performance pública

gente pra ver ator pelado
gente pra ser atropeladx
tem gente pra toda performance

per se
gente for what?
a wo/man
gente-vo

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Para e com Fernanda Pérez.

19.5.15

reconheço firma

no largo do leito,
lençóis festivos

no aperto do peito,
feitiço brando

de que trato?
de qual trato entre nós?
em contrato
(longe de quaisquer
burocracias, viu?):
envolvimento
e encantamento

rubricas
em todas as faces
deste .doc;
eu deixo
t/eu beijo,
eu nos imprimo

1.5.15

entre pares, os parênteses

eu sou um bom (coração) partido,
daqueles que se quer encontrar (encomendar sem esforço)
nos apps de paquera

eu tenho (poucas e boas) histórias íntimas
que conto (e que dou conta nos dedos) sem medir
palavra alguma:
(falo?) a verdade
- sem máscaras
(mas só um pouquinho de maquiagem, vai...)

preste mais atenção (aos meus parênteses)
quando eu disser sobre o clima (ou climão!)
que se estabelecer entre nós:
pode (não) ser tão bonito...