28.1.10

Por que investir em artesanato?

Sou repórter da revista Casa & Decoração, na qual assino uma coluna chamada Ecodécor. A proposta dela é divulgar ideias, produtos e atitudes que tenham a ver com a casa e que sejam ecologicamente responsáveis. E um dos temas mais frequentes tratados por mim na coluna é o artesanato feito de modo positivo, verde, com alguma característica que torna o resultado dele um produto interessante do ponto de vista ecossocial.

Na edição de janeiro da revista, nas bancas até a semana que vem, você pode conferir uma imensa quantidade de iniciativas privadas e não-governamentais de apoio a comunidades e/ou indivíduos que produzem um artesanato belíssimo e com grande valor social agregado a ele, seja pela forma como os recursos naturais são usados como matéria-prima, tanto quanto de que maneira os produtores do artesanato são remunerados - se de modo justo por exemplo. É só abrir na página 42 e conferir o especial sobre artesanato que fiz.

Decidi escrever este post não como jabaculê da revista, mas como extensão dela. Em todas as viagens que faço, procuro trazer um pedacinho da cidade visitada comigo. E se a cidade tiver uma produção artesanal forte, então, é excesso de bagagem na certa.

O legal mesmo é conhecer o próprio artesão, conversar sobre sua história, descobrir as referências (de vida, cultura, natureza) que estão impregnadas no artesanato que quero levar para casa. Nem sempre falar com o cara é possível no momento da aquisição, mas, pelo menos, investigar a origem dos materiais usados e como ele foi parar naquela lojinha ou banca faz que você possa optar pela não-compra se desconfiar de algo "podre" por trás de todo aquele lero-lero bonito de se ouvir. Pode apostar que vai haver uma placa sobre quem produziu a peça em questão ou o vendedor vai saber contar uma história legal, por menos completa de informações que ela seja.

Meu quarto é um pandemônio de referências e memórias. Guardo muitas coisas consideradas "tranqueiras" por quem me visita. Porém, entre os guardanapos, tíquetes, pedaços de galhos, postais..., há delícias artesanais presas nas paredes, expostas nas estantes ou dando um colorido ao chão. É minha forma de me transportar para os lugares que já visitei, onde pude promover o comércio local e estimular a produção cultural de lá. É por isso que considero investir em artesanato uma forma de incentivar práticas de sustentabilidade entre aqueles que dependem dele para sobreviver. E se você tem consciência de como a engrenagem funciona, é coração tranquilo e beleza para curtir por muitos anos.

Se não puder viajar nos próximos dias ou não conseguir trazer peças de suas andanças, vá até os sites abaixo. É uma listinha de organizações cujos trabalhos acompanho faz algum tempo e ponho fé em suas práticas. Elas orientam artesãos no sentido de extrair os recursos naturais de maneira menos danosa, conseguir inserção de seus produtos no comércio e como gerir as comunidades financeira e socialmente. Dá até para fazer o pedido com alguns cliques e receber em casa - e com pagamento parcelado. Vale a pena mesmo.

Conheça!

www.mundareu.org.br
www.artesol.org.br
www.oficinadeagosto.com.br
www.institutomeio.org
www.artesanatobrasil.com.br

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As fotos que ilustram o post foram feitas durante minhas férias em Manaus e região, AM, no mês de outubro do ano passado: 1. vendedora de artesanato em box do Mercado Municipal de Manaus; 2. tapetes feitos com retalhos de tecidos e sacolas plásticas expostos ao sol em Paricatuba; 3. vendedor ambulante de pulseiras artesanais em uma praça do centro da capital; 4. chocalhos produzidos com cabaças e penas sintéticas, vendidos no Parque Ecológico Janauary.

19.1.10

crime passional

Apartamento 151, Avenida 9 de Julho, 1235. São Paulo, SP

Diariamente, regava o bonsai sem saber a receita de vida. As gotas de água borrifadas se espalhavam pelo vaso que tinha o tamanho de um cão miúdo. Cuidava, cuidava, cuidava para que o Sol lhe aparecesse na janela todos os dias a fim de jorrar calor sobre seu vegetalzinho virtual. Os conhecimentos de botânica, poucos que eram, não lhe impediram de ruminar uma verdadeira sentença de morte.

Aos poucos, a verdejante e fresca planta se tornava um esturricado pezinho-de-algo.

Molhava mais que o necessário para ressuscitar.

Molhou demais.

Hoje pela manhã, distraído com uma picada de pernilongo veraneio, o cotovelo lançou o bonsai para fora, do 15º andar. E, na tentativa de recuperá-lo, agarrou pelo galho único como se salva uma criança pelos cabelos. Sem proveito.

Nos jornais do meio-dia, notícias de um crime passional.

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17.1.10

Sobre árvores, livros e filhos


Plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho. Em dias de reflexão sobre o meu papel na existência, essa máxima imposta ao que se espera de uma vida é inquietante. Foi José Martí, poeta cubano, que um dia levantou a poeira sobre o que faz um ser humano completo com sua ideia dos objetivos estarem entremeados por árvores, filhos e livros. Hoje, ditado popular e até clichê - como este post o é -, a frase de José me veste bem. De todas essas realizações, somente concretizei a da árvore até agora.

Inúmeras vezes semeei a minha vontade de fazer o solo fértil por aí: nas caminhadas até as cachoeiras; nas sementes pisoteadas que carrego na sola; nas tentativas de fazer mudas dentro de vasos na varanda de casa. Plantar árvores é o que se faz mais fácil de concretizar na vida. Basta ter semente, terra fértil, água e um pouco de entrega.

Minha relação com árvores sempre foi muito, digamos, íntima. Sempre adorei ficar sob a sombra de uma copa grande de mangueiras, brincar em balanços presos aos galhos de uma jaqueira (menos perigosa, claro), subir nos pés-de-tamarindo ou jambo de tia Nora para colher os frutos fresquinhos. Passei a infância rodeado de frutíferas. Na minha casa, por exemplo, havia um pé-de-acerola que vivia pintado de um frescor carmim, adorado pelos moleques (meus amigos) da rua. Toda safra era motivo de gritaria da minha mãe porque eles trepavam no muro de casa e balançavam o pé até que as acerolas rolassem pela calçada: "parem com isso, meninos, vocês vão matar minha planta", vociferava maternalmente. Além disso, havia a mangueira de frutas cadentes e estrondosas de dona Nice, as carambolas e araçás verdinhas de tia Tereza - boas vizinhas que eram - esperando que eu as colhesse dos seus pés.

Existe um quê de poético no ato de se plantar uma árvore. É como se fosse depositada naquela semente a esperança de tudo que se acredita ser bom, útil e sagrado. O que está por vir tem a força de um recém-nascido e o encantamento de um livro, mas não chora ou faz chorar com facilidade. Tem a identidade de uma criança ou a essência da literatura, mas não faz manha ou é terrivelmente laborioso a cada parágrafo. É tão valioso como um sorriso da filha que se casa ou uma última página conquistada, tão eterno enquanto dura na memória.


Ao que José Martí pregava, plantar uma árvore é das coisas mais fáceis de se fazer e, de algum modo, tem o mesmo propósito que as outras duas: inspirar o dia a dia. Enquanto você não escreve o livro ou tem o filho, quero ajudar na sua realização de plantar uma árvore. Tenho três envelopes contendo sementes de aroeira-pimenteira, cedro rosa e jacarandá da Bahia para doar. Faça um comentário sobre este post contando uma lembrança sua que envolva alguma árvore que eu enviarei por correio os envelopinhos. As três primeiras pessoas que comentarem receberão a oportunidade de verdejar a própria história e contribuir para a preservação de algumas espécies, como o jacarandá da Bahia, na lista do Ibama que contém árvores ameaçadas de extinção.

E depois?

É só semear.





10.1.10

Verão? Vai ter que remar


À frente do bote, promessa de aventura desconhecida. Antes mesmo de colocar o remo na água, as instruções são ouvidas com atenção. Respingos de alegria úmida se jogam sobre o colete salva-vidas. A expectativa é lancinante, ainda mais quando o rio não foi apresentado antes. Esse será o seu momento se você, neste verão de calores instensificados por frustrantes desacordos em Copenhague, escolher o rafting como esporte favorito.

É sempre assim. Já fiz rafting cinco vezes na vida e o friozinho na barriga é o mesmo. Não que cinco vezes me dê grande experiência no esporte, mas me faz um turista experimentado na arte de mover águas com a força do muque. E dos sentimentos que causam pedras arranhando um bote cheio de ar, em quedas de até 5 m de altura, com você protegido por um colete salva-vidas, um capacete e um instrutor que sintetiza seu discurso em pouco mais de meia-dúzia de comandos: frente; ré; direita-ré; esquerda-ré; parou; corda, piso...! Sendo este último o mais aguardado pelos rafteiros. E o mais deliciosooooo! Uhuuuuu!

Ainda que seja um esporte caro para o praticante esporádico (você pode gastar entre R$ 70 e 120 pela descida), o rafting guarda muitas vantagens:
- É um esporte coletivo, que estimula o trabalho em grupo e valoriza a integração e harmonia entre os remadores como combustível para chegar ao fim das corredeiras.
- Normalmente os percursos enfrentados por amadores não chegam ao nível 4 (a escala vai até o 6 em rios bravos e com quedas altíssimas), por isso é um esporte seguro - sem falar do pré-treinamento e do equipo de segurança que as empresas oferecem.
- O visual é uma delícia: nos momentos em que você não está preocupado em se manter dentro do bote por uma questão de sobrevivência, seus olhos se perdem na paisagem ribeirinha que é de suspirar.

- Uma aula de consciência ambiental na prática. Duvido que, no meio de uma descida, você não pare para pensar na importância de se preservar os recursos naturais que ainda temos. Se vir uma latinha rolando rio abaixo, vai até querer pular do bote para resgatá-la. A única forma de poluição que consigo imaginar causada pelo rafting é a sonora. Os gritos de guerra e a barulheira da galera nas quedas pode assustar os animais que habitam os arredores, interferindo em sua rotina. Já ouvi um instrutor comentar que algumas espécies de aves passaram a ocupar outras regiões extra-circuitos de rafting por causa do barulho dos esportistas.
- Você emagrece! Seus braços saem musculosos depois de "passar manteiga" inúmeras vezes no rio por longas horas (já cheguei a ficar cinco horas remando).
- É refrescante. Qualquer esporte aquático, pelo menos para mim, é de se levantarem as mãos para o céu. Molhar-se por completo, nadar no rio, fazer guerra com remo e água entre os botes, molhar a cabeça no "surfe" (um momento da descida em que os instrutores nos levam até uma das quedas para que possamos remar de encontro a ela e nos molharmos inteiros)... vida boa.

Já desci os rios paulistas Jacaré-pepira (Brotas) três vezes, Rio do Peixe (Socorro) e Paraibuna (São Luiz do Paraitinga) uma vez cada. Gosto muito do Jacaré-pepira por ser o mais emocionante, pedregoso, rápido e "quente". As paisagens dos outros dois são muito mais bonitas. O visual do Paraibuna é espetacular, há tucanos voando rasante. E no Rio do Peixe, você consegue ver bandos imensos de capivaras soltas observando preguiçosamente a passagem das caravanas de botes.


Neste post, você pode ter uma ideia pelas fotos da delícia que foi fazer rafting algumas vezes e, quem sabe, se estimular a escolher um roteiro para os próximos feriados. Procure as empresas de rafting se seu destino for uma cidade em que o esporte seja o carro-chefe do ecoturismo. O rafting é caro porque envolve muita gente e pesada manutenção para fazê-lo acontecer. Mas é um investimento sem arrpendimentos.

Eu garanto. E faço um convite para a próxima descida. Vem comigo?


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* as fotos foram tiradas pelas empresas que oferecem o serviço de rafting, exceto esta última, chamada "Romulo e Remo", clicada por Eliane Barros.

intransponível

os dias de açoite dormem
com noites que acordam
chuvosas e frias

lá do alto,
na montanha mais longe de mim,
teço comentários essenciais
sobre um casebre com janelas
semiabertas
semiáridas
semipálidas

estou uma incompletude,
um vacilo duradouro
por
anos, anos e anos
em um calendário de folhas viradas,
marcadas com sofrimento mudo

tenho amor demais
implícito

vivo como um vaso frágil
sobre um bambo aparador:
a queda é urgente

por isso, quero me despedaçar
- escravo que sou
sobre um tapete com tons gramíneos,
amortecidos os cacos terei assim
como uma overdose que se finda

chega de amar sozinho,
sem retorno,
alguém que me esconde atrás de uma montanha
alta, inerte e febril

hoje, abandonei meus grilhões
no cesto de roupas sujas