19.5.08

café com açúcar

Apartamento 62, Rua Barata Ribeiro, 57. São Paulo, SP.

Era só uma mancha de vinho derramado sobre o vestido. Mas Regina queria que fosse o motivo de sua separação. Não quero mais suas reclamações e seus compromissos. Ao lado da xícara de café quente, um bilhete guardava toda a história, do início ao fim. Eu tenho mais do que isso lá fora. A porta é um juízo que entrega a indecência. Você, Jairo, é o meu maior desejo de fuga.

A colher mexia leve o açúcar do fundo. As ondas negras davam baforadas de calor e doçura no rosto dele. Para lá e para cá, os olhos liam cada linha do papel amassado com vestígios de Regina. Meu corpo é uma ponte sobre teu rio, de onde me vê inteira e nua. De um lado, as verdades da minha cabeça me prendem ao teu silêncio. Do outro, meus pés que dançam se libertam do teu jeito de me fazer viva. Não quero línguas, nem sinais de teus hormônios. Agora meu mundo é maior que este apartamento, este cárcere.

O açúcar no fundo é aparente. Pequenos cristais se mostram entre um negrume espesso e saturado. O bilhete. Que seja assim então. Você, na merdinha do teu vício. Eu, na força da minha caminhada livre. O bilhete tremula na mão que o segura. Jairo quer um cigarro e um pouco mais de açúcar. Isqueiro, cinzeiro e uma cozinha cheia de fumaça.

O papel queima até a última palavra. Até o adeus. Até não mais ver sinais de Regina, mas o vestido bruto, manchado, se estende em cima da máquina de lavar. Um vestido de noiva com bordados e brocados que pintam a paisagem de abandono. E Jairo retira da gaveta do armário mais uma cópia xerografada daquele bilhete. Serve mais uma xícara de café, um bocado de açúcar e lê atento cada palavra de Regina. De novo.

Na porta, vizinhos gritam. As janelas cospem a fumaça densa e lenta no sexto andar.

6.5.08

peçonha

o mistério está perto
de chegar ao fim

vejo um homem apressado
à procura de milímetros cúbicos de sangue

o olho que amplia a roupa
segue a brancura manchada de carmim
pontos de paixão,
os sinais do crime

hemorragia: razão da morte
de quem o corpo estanque
esperara dois dedos de prosa
mas bebeu litros de poesia peçonhenta