14.11.09

Antonia prova que lacre de lata é arte e não lixo


Ao abrir a porta, ouve-se o tilintar dos lacres de latinhas de alumínio que servem de cortina na casa de Antonia Romano, de 74 anos, na Vila Formosa, em São Paulo. Cada pedacinho da casa tem um toque metálico. Porta-lápis, bolsas e ímãs de geladeira são parte do trabalho dessa aposentada que, por acaso, se tornou artesã e agente ambiental.


Antonia gostou tanto de um presente dado por sua sobrinha, uma bolsa feita de crochê e lacres de alumínio, que resolveu reproduzir o modelo e inventar produtos.

'Por aquela bolsa, eu fui tirando ideias, inventando uma coisa e outra. Fiz cortinas, vestidos.' Os lacres chegam à sua casa por meio de doações de vizinhos e parentes. Todos os que conhecem o trabalho dela nunca se esquecem de guardar a matéria-prima. Em troca, recebem presentes e gratidão.

'Só na cortina da janela, foram 3.600 lacrinhos', revela Antonia. Em vez de ocupar aterros sanitários, onde podem demorar 200 anos para se decompor, esses lacres metálicos são reaproveitados e ainda ajudam a complementar a renda da artesã. Ela sabe que os lacres, assim como as latas, são recicláveis, mas prefere transformá-los em artesanato. Antonia não guarda os segredos do que faz: já compartilhou sua arte com muitas pessoas.

'Dá para ganhar um trocadinho', diz outra aposentada, Maria Zochi, de 74 anos, que se tornou artesã por influência de Antonia. O que Maria aprendeu com a amiga serviu para gerar renda e passar o tempo.

Aparecida da Silva, de 43 anos, outra aprendiz do grupo, é mãe de uma criança deficiente e produz em ritmo acelerado bolsas de crochê e lacres para ajudar a pagar o tratamento do filho. Assim como a mestra Antonia, ela é consciente de seu papel ambiental. 'O que eu faço vai se transformar em coisas bonitas e não vai ser jogado no lixo', explica Aparecida.

O artesanato produzido por Antonia e Maria é uma alternativa ao ócio, comum na vida de idosos. O crochê e os lacres devolveram a oportunidade de interagir novamente com pessoas fora do círculo familiar.

'Uma atividade artesanal contribui para o desenvolvimento de habilidades psicomotoras e cognitivas, além de favorecer a ampliação do repertório social, para o contato com outras pessoas e, em alguns casos, a geração de renda', diz o psicólogo Salvador Rebelo, secretário do Projeto Revivendo, comunidade da terceira idade da USP/Bauru.

Quem adquire algum de seus produtos logo os divulga para outras pessoas. Assim, as artesãs recebem mais fregueses em casa. O brilho nos olhos de Antonia ao falar de seu artesanato reflete tudo o que já produziu. Orgulhosa desse trabalho, ela não se esquece de mostrar os vários certificados pendurados na parede da sala. Em destaque, o de agente ambiental, recebido por multiplicar seus conhecimentos numa oficina da qual participou.

Além disso, Antonia afirma que sua produção não vai parar tão cedo. Salvador analisa: 'Considerando-se produtiva, ela se distancia do universo de rejeição, preconceito e exclusão que cerca o idoso.'

Quem quiser aprender o que faz a artesã, basta visitá-la, na Vila Formosa, bairro da zona leste. É possível conferir a produção de alguém que, em referência às conhecidas organizações não-governamentais, pode ser chamada de 'indivíduo não-governamental'.

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O Estado de S. Paulo, em 26/09/06 - Autor: Romulo Santana Osthues

3 comentários:

Anônimo disse...

Olá Romulo
Gostei da idéia e as orientações de como confeccinar um muito boa. Ah! nada como saber aproveitar e criar!
Um abraço
Annalu

Lilian Juliana disse...

Este texto me traz tantas lembranças boas...
O finzinho da faculdade, a doçura da Dona Antônia, nossa fantasia em morar na Espanha (e um dia a gente vai...).

O texto é lindo! Mereceu a premiação do Estadão na época. E é o brotinho do seu talento pra conscientizar sobre sustentabilidade de maneira simples e apaixonante!

Anônimo disse...

é bom preservar;;...