15.11.09

Travessia


Aquele sol fervia meu cérebro a 42º C. Enquanto me aproximava para fazer fotos do igarapé do Educandos, em um dos bairros de Manaus com o mesmo nome, ele vinha ligeiro. Passava o remo sobre a água do Rio Negro na mesma força com que se corta manteiga gelada. Entre o barulho da água, o som oco do barquinho batendo no cais improvisado me dizia para me aproximar.

"Olá, tudo bem?", perguntei. A resposta foi um queixo afirmativo e cadente, seguido do levadiço chapéu na cabeça. Nada mais nos segundos seguintes, só as investidas aberturas do diafragma da minha câmera eram ouvidas. Até que descobri o que ele fazia ali.

Entre uma margem e outra do igarapé, há uma ponte para se fazer a travessia, mas qualquer manaura (quem nasce em Manaus) que trabalha no porto ou vai ao mercado municipal e tem um troco sobrando prefere pagar R$ 1 para cruzar o rio de barco, que é mais rápido e suportável que enfrentar o sol a pino. A viagem dura menos de dois minutos. Se fosse pela ponte - como burramente eu fiz - seriam necessários 20 minutos.



Embora o rio ainda esteja passando por uma limpeza e revitalização, sobra lixo para todo lado. E é desse lixo que o barqueiro vive também. Nas horas sem passageiro, ele sai catando objetos de plástico e alumínio que boiam no rio ou estão se degradando pelas margens. "Quando não tem ninguém, a gente fica tirando o lixo daqui", diz numa rouquidão de garganta seca ou de quem não mais estava a fim de papo. Preferi a segunda possibilidade. E emudeci.


Ele ficou parado sem me dizer seu nome, o que fazia com o lixo depois e de onde era. Mas isso eu só descobriria mais tarde, quando conheci uma outra barqueira, cuja certidão de nascimento havia sido comida por cupins, o que lhe faz não saber precisamente sua idade. Sobre ela, falarei (muito) em outra oportunidade.

O abre-fecha do diafragma voltou a anunciar sua presença, em meio aos pássaros que piavam algum sinal de vida vez ou outra no igarapé do Educandos: úmido, quente e infelizmente sujo.

4 comentários:

milagresexistem disse...

Olá, Rômulo!
Tudo bem?
Gostei muito do seu blog, parabéns! Questões relacionadas ao meio ambiente muito me interessam!
Acabei de montar um blog também. Ele não é tão bem produzido como o seu, mas gostaria muito que você passasse por lá e deixasse a sua opinião. Com certeza, ela será muito importante!
Um abraço!
João

Verônica Lima disse...

Ele deve viver naquela outra margem, a terceira, onde o silêncio vale um pouco mais...

O barulho do diafragma não podia ter ocorrido em momentos mais oportunos: lindas fotos.

Lindo blog! Voltarei sempre!

Bjs,

Verônica

Lilian Juliana disse...

Ia deixar um comentário parecido com o da Vê aí em cima! Sintonia Rosaneana. Guimarães deve tá dançando uma musiquinha de felicidade lá de cima se deu um pulo aqui no seu blog e viu estas fotos, este texto!

Tá lindo, Rominho! Era isso que queria ver num Ecoblog! Vou voltar sempre!

Beijo verde-que-te-quero-verde!

Leandro disse...

Rominho, querido! Lindíssimo tudo aqui!

Sorte, sim, pra sempre!

Beijo,

Leo