3.4.13

paraquedas 2

Enfeitou o batente com o que tinha de mais genuíno: a saudade. Essa que é típica dos sujeitos de brechó, dos objetos de asilos. Nem pintou a fachada, tb não fez café. Deixou tudinho como estava quando da despedida. Janelas abertas para quem merece dar de cara com a porta. Uma serenata ao meio-dia não faria o menor sentido, pensou, guardando o relógio de pulso no bolso da calça. Era melhor não dar corda pro futuro.

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Um terceiro olho, um segundo nariz. Primeira pele.

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A gente vai ver o mar. A gente vem se ver no espelho. A gente vai, a gente vem. Vaivém. Balança. Até que decide ser areia, sereia talvez. Naélia é a gente no balanço. O terno ruído branco fora da cidade. Melaço correndo nas veias. Corda presa a uma árvore praiana. Tombar? E se? A gente sobe de novo. A gente vai e vem nas memórias de Ilhabela.

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Trator. A semana começa como tal. Ossos miúdos, pouca substância. Uma frase dita na hora errada é marola sobre o castelo de areia. À espreita, o mesmo veículo espera o torque para repor as paredes no lugar. Grão por grão. Ainda bem que existe, para tanto mar, a mesma presença de praia. O amor é um litoral.

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Aprecio superfícies que são limites entre estados de graça e desgraças. Um ovo, por exemplo, suporta tensões que confrontam fragilidade e fortaleza, rigidez e maleabilidade, inteireza e fratura - isso me deixa tal qual uma raposa faminta. As galinhas botam ovos à toa. Eu boto fé e pouco mais no frigir deles. Gosto de gema dura, pois é fácil de comer com meus dedos em pinça. Não os use como presentes de aniversário, eu peço de antemão. Pele, pelo - vejo ambos em ovo gorado e cozido. Se é que entende a minha viagem, a minha maionese.

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Deleite a cor de si. Delete os acordes. Acorde no fim da tarde para ver O Senhor dos Balões passar por aí. O arco-íris é a matéria-prima da gente, bexigas que se enchem com nosso fôlego.

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De fato, homem feito, de feitos e efeitos.

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Raios são reis na Baía de Todos os Santos. Um mar de bordas infinitas é mais bonito quando parte do reino. O Sol fica mais pertinho assim, cativo afinal, nascendo e se pondo enfeitiçado pela maresia. Os reis raiam onde há espelhos. Fique atento.

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Criteriosos gestos fazem nossos dias mais verdejantes. Toda escolha demanda uma ou mais renúncias. Quem sabe, o material de descarte seja aquilo que mais válido é. Nem tudo é flor em Holambra (SP), tampouco fora de lá.

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Quem mais cedo madrugou? Um dia, o Sol se aposentará. Jogará dominó num banco de praça, andará com privilégios nos coletivos e terá atendimento prioritário. Então, teremos de nos contentar com lamentos e lamúrias fumegantes. Sob o sol, somos todos tempo em bronzeamento e carnês de previdência. Eclipses acontecem cedo ou tarde, precisamos ponderar.

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Vá à feira. Forre a mesa. Feijão no prato. Frescor em vez de frescuras.

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- Vc é...
- Sou...
- Vc é... é...

Quase-diálogo-inventado sob um pé-de-árvore manauara. Amor, o fruto permitido, é sabor que sobra no silêncio. O gosto de boca fechada. Talvez, o melhor do beijo seja... - sejam reticências.

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Antes de me amarrar, meus nós desato, pois desejo mais ter um verdadeiro protetor por perto do que uma lembrança vaga do paraíso. Lavo as escadarias da igreja, carrego lágrimas em baldes. Água benta é refresco nos borrifadores; alfazema, perfume. A colina sagrada subo. Neste 17 de janeiro, veremos Deus na Terra cortejando homens de carne e osso nos Céus. Recordação dos Senhores do Bem-viver da Bahia. Corações ao alto e bolhas nos pés. Minha cidade veste branco neste dia de todas as cores e fitas. Façam fotos. E votos de paz.

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Um condomínio. Quero dizer, um conjunto de coisas formando uma vizinhança. Quero dizer mais, blocos de carnaval. A musa do morro, a música. Campainha, cuíca, sino da igreja. Um mês para a quarta-feira de cinzas - que pena. Já customizei meu abadá: tirei shorts e camisa da frente. Vestirei dois flocos de confete para não esconder as vergonhas da cor de tijolo, cor da pele. Eu no povo, poeira.

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Champanhe? Traga. Uma onda? Leve. Marola, marca, maravilha. Essa coisa de se por, de se impor. Esse sol... sei não, viu? - Baía de Todos os Santos.

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Escondemos flores sob camadas de bons modos. Há rumores de felicidade - frágeis como as porcelanas do nosso desjejum. Frios fios de ouro nos etiqu(i)etam diariamente.

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Pouso. Pulso: 180 batimentos por minuto.