28.3.10

Verônica decide colher

em seu pastoreio,
na sua fugere urbem,
Verônica catava flores de poucos quereres
e as punha no bolso
- era um sinal de elegância

para a época ainda rodrigueana,
em que faltavam a delícia da paisagem,
os ventos intensos nos cabelos sem antifrizz,
tudo porque há televisores muitos
entorpecendo
seus amigos,
seus amores,
seus rumores de felicidade

levou-as para casa
e as escondeu em um frasco de creme da Avon?

não, fez melhor,
tomou chá de pétalas sem sabor
porque precisava crer que
só tem gosto
a beleza essencial,
aquela que não rejuvenesce,
mas se encontra
em um gesto não aparente

Verônica se deu com tanto,
que é isso e só:
ser belo é encher um bolso jeans
com flores murchas e descabeladas

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para minha Verônica, que não sabe o que planta, mas colhe o que quer.

E o bambu?

Calma, calma. O título foi só uma referência à piadinha grotesca que deixou Silvio Santos sem chão há muitos anos em um de seus programas de auditório (assista!) - sem chão, sem graça e sem saber o que fazer com o material.

Embora para Silvio o bambu não vá ter uma função lá muito conveniente, há centenas de aplicações da planta no nosso dia a dia em produtos que fazem parte dele. Tenha certeza de que, em sua casa, há, pelo menos, uma coisinha feita com a matéria-prima. Se aparentemente não for tão fácil de identificar algo de bambu, você pode desconfiar até do tecido que reveste a sua almofada (e não estou me referindo à estampa dela).

O bambu é uma planta versatilíssima e tem muitas vantagens, inclusive ecológicas. O bambu cresce muito mais rápido que a maioria das árvores utilizadas como matéria-prima, é facilmente renovável - não é preciso arrancá-lo do solo para sua colheita -, tem fibras resistentes e possui características antibacterianas (ideal para substituir as colheres de pau, aquelas que fazem os melhores brigadeiros que comemos na vida).

Tamanha é sua resistência que ela é utilizada na arquitetura e construção civil para servir como estruturas de sustentação de uma infinidade de edificações - procure informações sobre o arquiteto colombiano Simón Vélez, autor da Catedral de Pereira, cidade da Colômbia, mostrada na primeira foto do post. Há quem diga que algumas espécies de bambu foram as primeiras plantas a renascerem após o ataque atômico a Hiroshima. No mundo pós terceira-guerra (será?), sobreviverão as baratas e os bambus se as teorias estiverem corretas.

Há duas lembranças minhas com a presença marcante do bambu. Uma delas é o túnel que serve como entrada ao aeroporto de Salvador, BA, minha cidade natal. É um corredor refrescante, sombreado, para quem ainda não está adaptado ao calor da Terrinha. Tem menos de meio quilômetro, mas é como se durasse uma eternidade o passeio por ele. Há quem goste tanto da experiência que faz vídeos do percurso. A outra é referente a quando eu empinava pipa nas lajes dos amigos na época de criança. A gente costumava fazer as próprias peças - as minhas nunca davam certo - com lascas de bambu que trazíamos da praia e papel de seda colorida. Os setembros eram meses de bambu e papel no céu por causa dos ventos que faziam.

Deixando a saudade de lado, depois de uma digressão soteropolitana, minha sugestão é, quando se tratar de consumo, invista em produtos confeccionados em bambu. Na sua casa, nas roupas que usar, nos palitos dos restaurantes orientais, nas coberturas vegetais da sua cabana quando se perder em uma ilha como a do seriado LOST, na sua esteira de praia... para alimentar o seu panda de pelúcia até - quem sabe? Vale tudo.

É bonito, é prático e menos danoso aos ecossistemas onde haja presença dele e em que seu cultivo seja feito de forma adequada. Tomara que a criança sapeca do Silvio já tenha aprendido que há outras diferenças entre um poste, uma mulher e o bambu. O Silvio - né, querido? - já aprendeu depois de ter lido este post. Ha-hai-hi-hi!


Mais infos?
www.cooperadamente.blogspot.com (associação que produz a colher, a caneca, os porta-temperos e o pegador)
www.bamboo.ning.com (rede social brasileira com discussões sobre o uso do bambu);
www.bambubrasileiro.com (site de um grupo de estudos sobre a planta);
www.tibarose.com (grupo de estudos sobre bioarquitetura entusiasta do bambu nas edificações);
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As imagens que ilustram o texto: da catedral, são do blog Pensando Verde; do corredor de bambu de Salvador, Marco Aurélio Martins (Agência A Tarde); dos produtos da Cooperadamente, divulgação.

21.3.10

Imersão

fluido manto de regenerar a vida
parte do mar é aguardente,
outra, sal e chão
canais de sertão esperam a passagem
dos veios adocicados,
dos velhos
Chico, Negro, Tietê
é, para mim, o presente divino
escondido em torneiras
quem pede um copo cheio de água
pede um gole de cru e solene remédio
para um corpo inteiro
se batizar

afinal, nada mais que alma imersa
em eme-eles de líquidos,
sonhos em calefação,
somos nós

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Foi em 1992, mais precisamente no dia 22 de março, que a ONU publicou o texto da “Declaração Universal dos Direitos da Água”. Ele é um documento que sugere medidas e dá informações sobre a água a fim de conscientizar a população mundial a respeito da vital necessidade de se preservar os recursos hídricos do planeta. Por exemplo, não deixando torneiras gotejando como nesta foto, feita por mim em um parque de "PRESERVAÇÃO" do meio ambiente de Manaus, AM. Abaixo, a declaração da ONU para você conhecer e refletir, imerso em uma refrescante banheira cheia de consciência. E para termos, também, o que comemorar todo dia que não seja somente um 22 de março.

Declaração Universal dos Direitos da Água

Art. 1º - A água faz parte do patrimônio do planeta.Cada continente, cada povo, cada nação, cada região, cada cidade, cada cidadão é plenamente responsável aos olhos de todos.

Art. 2º - A água é a seiva do nosso planeta.Ela é a condição essencial de vida de todo ser vegetal, animal ou humano. Sem ela não poderíamos conceber como são a atmosfera, o clima, a vegetação, a cultura ou a agricultura. O direito à água é um dos direitos fundamentais do ser humano: o direito à vida, tal qual é estipulado do Art. 3 º da Declaração dos Direitos do Homem.

Art. 3º - Os recursos naturais de transformação da água em água potável são lentos, frágeis e muito limitados. Assim sendo, a água deve ser manipulada com racionalidade, precaução e parcimônia.

Art. 4º - O equilíbrio e o futuro do nosso planeta dependem da preservação da água e de seus ciclos. Estes devem permanecer intactos e funcionando normalmente para garantir a continuidade da vida sobre a Terra. Este equilíbrio depende, em particular, da preservação dos mares e oceanos, por onde os ciclos começam.

Art. 5º - A água não é somente uma herança dos nossos predecessores; ela é, sobretudo, um empréstimo aos nossos sucessores. Sua proteção constitui uma necessidade vital, assim como uma obrigação moral do homem para com as gerações presentes e futuras.

Art. 6º - A água não é uma doação gratuita da natureza; ela tem um valor econômico: precisa-se saber que ela é, algumas vezes, rara e dispendiosa e que pode muito bem escassear em qualquer região do mundo.

Art. 7º - A água não deve ser desperdiçada, nem poluída, nem envenenada. De maneira geral, sua utilização deve ser feita com consciência e discernimento para que não se chegue a uma situação de esgotamento ou de deterioração da qualidade das reservas atualmente disponíveis.

Art. 8º - A utilização da água implica no respeito à lei. Sua proteção constitui uma obrigação jurídica para todo homem ou grupo social que a utiliza. Esta questão não deve ser ignorada nem pelo homem nem pelo Estado.

Art. 9º - A gestão da água impõe um equilíbrio entre os imperativos de sua proteção e as necessidades de ordem econômica, sanitária e social.

Art. 10º - O planejamento da gestão da água deve levar em conta a solidariedade e o consenso em razão de sua distribuição desigual sobre a Terra.

18.3.10

romãs e amoras como quaisquer outras

Apê 41, com 35 m², rua Helvetia, 57, Santa Cecília. São Paulo, SP.

Na geladeira, esquecida no canto da gaveta de verduras, estava a romã. Rija e nua como cimento à vista nos muros das construções. Fernanda, que gostava mais dos sabores do que dos tons daquilo de que se alimentava, tirou a fruta de lá e a esqueceu sobre a pia. Não presta mais.

Frescas na sacola de supermercado, chegaram amoras viajantes, suculentas e cheias de tinta. Algumas até pintaram a caixinha de plástico que embalava o conjunto com exatos 258 g. No fundo, no fundo, era tudo rubro-negro. O que faria Rodrigo estremecer. Ele, que é fanático pelo tricolor baiano, repensaria suas escolhas hortifrutigranjeiras daquele dia em diante. Putz, fiz cagada.

A cozinha, pequena para Fernanda e Rodrigo, embora não tivesse armários planejados, coifa, ilha de preparo, panelas elétricas, tinha o essencial.

Tinha romãs e amoras com amor em comum, ao pé de cada letra vivida de cor e salteado, na dura rotina a dois.

16.3.10

água na boca

de boa noite são
o beijo, a rima, a métrica
deste poema

prometidos sejam
todos os versos que farei um dia em sua homenagem;
como as claras que bato por quem salivo,
eles contêm meu regozijo,
os versos me contêm
e são seus

mas só de saliva não vive
um bicho,
é preciso ter água para molhar
o que pela boca entra
como carne seca
e salgada

o olhar faminto seu
é meu desesperado consolo
e alívio

por isso, menina,
feche os olhos!

quero sonhar junto

dias de felicidade
mútua
eu quero muito

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para Flávia, que me lê, me sabe, me saliva.

14.3.10

e-namorar-se

Casa de tijolos à mostra, rua Harmonia, 667, Vila Madalena. São Paulo, SP.

"... o outro como continuidade de mim, outra diferença. Outro problema. Tem uma amiga que diz uma coisa que eu gosto muito. É assim: é conversando que a gente se desentende, né? Que é muito legal, né, essa ideia que... A experiência amorosa tem que ser essa experiência da diferença. O amor é perdição. O amor tem a ver com esse impacto da diferença em você, e não completude, e não conjuminação. Não são peças que se encaixam, são peças que se transformam, que se estranham. Esse que eu acho que é o pacto amoroso fundamental, quando você pode ter certeza de uma certa companhia na aventura da diferença".

Ele assistiu a esse discurso em um vídeo do You Tube. O moço era belo, tinha olhos de mandacaru maduro, verdes e espinhentos, mas suculentos na mesma medida. Ele quis um pedaço do moço que falou bonito no vídeo.

Ele só precisava de uma conexão. Um contato ponto-com. E conseguiu.

Nos dias depois de e-mails trocados, um encontro marcado. Garganta quente de quem arranhava pregas no ensaio de música coral. Pernas cansadas. Pele suada de uma noite vítima do efeito estufa. Em seu corpo, o delírio de quem esperou pelo brinde dos olhares, cam com cam, tim-tim. Em casa, o ritmo era o mesmo seguido no trabalho, na redação do diário serviço, nas estações de trem. Aqueles dois se encontrariam uma vez. O moço de discurso e olhos bonitos e o moço morto de fome e sede, criado à base de mandacarus.

Preciso fazer cocô, tomar banho, tirar a barba, comer e esperar. De toalha, o ritual higiênico. Desodorante roll-on, gel antiacne, creme pós-barbear, cabelo penteado para o lado esquerdo - desajeitado a dedos para não parecer tão almofadinha na webcam. Mesmo que não fosse preciso, perfumado estava. Comeu, deu escovadas nos dentes. Fio dental? Sempre.

22h02, com atraso. Um e-mail avisa "já estou on line". Peito inflado. Tinha o mesmo sentimento de uma mulher prometida. É tão bom sentir essa coisa virgem, essa voragem. Os vapores.

Era preciso somente uma conexão para aquele dia, para eles e-namorarem, se enamorarem. Era o modem barulhento, lento, um jeito de contato. Em vez do silêncio, o grunhido e o chiado a 56 kbps. Oi, olá, tudo bem, como foi o dia. Teclas no computador, linhas do MSN.

O modem cai. Contato perdido enquanto ele ouvia sinos, sinos que ba-da-la-vam forte.

Não adiantou ter creme no cabelo, máscaras antimanchas, cuecas antichamas porque o encontro não aconteceu. Desligou o notebook. O estabilizador também. A luzinha consome energia elétrica.

Conforme a meninice canceriana, deitou a cabeça sobre o travesseiro e se afundou em sonhos de amor wireless quando se questionava: "você pode ter certeza de uma certa companhia na aventura da diferença?"

Nem se a conexão for banda larga. Acordou de repente.

Ajoelhou? Tem que reaproveitar

“Começamos juntando restos de MDF e madeira que iriam para o lixo ou, pior, seriam queimados em marcenarias e serrarias da região, e transformamos isso nas casinhas das Cidades Imaginárias ou em simbologias e florzinhas para os Oratórios Pop”, explica a arquiteta, designer e artesã Daniela Bobsin. A quatro mãos, contando as de Fabrício Alves (antropólogo, designer, artesão e marido de Daniela), ambos vão descobrindo um jeito de alimentar a espiritualidade dos seus clientes, produzindo um artesanato belo e ambientalmente menos danoso. Ou, pelo menos, seguem uma meta de tentar sê-lo.

Eu os conheci por causa da seção Ecodécor (seus produtos colorem a página 39 da revista Casa Decoração, número 31, do mês de março), para a qual escolhi a história da labuta da dupla e suas intenções ecológicas a serem publicadas. Além de oratórios lindos e cidades imaginárias poéticas (foto acima), eles tinham “what it takes” para estamparem a coluna que assino na revista. Reutilizam materiais, procuram gastar menos recursos naturais, menos matérias-primas, e ainda têm uma visão abrangente do que é sustentabilidade.

A entrega foi tão grande, com uma abertura de peito ampla, que meu abadá foi passar o carnaval de 2010 com eles. Subi a serra do sul de Minas Gerais – e levei mais 16 pessoas comigo – para conhecer uma cidade curiosa de perto e, por consequência, conhecê-los. Foi em Maria da Fé, a cidadezinha mineira mais marcante que visitei ultimamente, que nos abraçamos depois de um longo contato por e-mail. Eles estavam mascarados, sorrindo e cheios de alegria no discurso e nos rostos quando desceram do carro ao chegarem à fazenda onde estávamos hospedados. Dali para a frente, formamos o nosso próprio bloco e o pusemos na avenida. Sem cordas. Sem amarras.

Porque nossa amizade veio além de um contato profissional e marchinhas de carnaval, pedi que me respondessem, separadamente, a algumas perguntinhas sobre seu trabalho. E o fizeram "com todo gosto", segundo eles mesmos, para estarem aqui no Colheita Seletiva. O resultado você confere nas respostas abaixo e nas imagens que estampam este post. Leia sobre o que pensam a respeito de sustentabilidade, artesanato e meio ambiente os integrantes da Oficina de Arte Cabeça de Frade.

Colheita Seletiva - Qualquer trabalho artesanal é sustentável?
Daniela Bobsin - Nem todo artesanato é sustentável no sentido de preservar a natureza, mas o é no sentido de dar sustento a um indivíduo que é parte do meio ambiente. A busca é justamente essa, encontrar o sustento próprio em um produto feito artesanalmente, mas que não gere resíduos demasiados.
Fabrício Alves - A sustentabilidade não é algo acabado, ela se parece mais com uma meta. Você nunca vai ser 100% sustentável, já que qualquer ação do homem no meio ambiente, mesmo com materiais renováveis, causa certo desequilíbrio. Para se fazer qualquer trabalho que implique em alguma forma de produção de maneira sustentável, é preciso ter sempre em mente as diferentes dimensões da sustentabilidade (social, cultural, econômica e ambiental) e tentar buscar o equilíbrio dessas dimensões de forma sincera. Assim, mesmo que o seu trabalho não seja ainda 100% sustentável, pelo menos, você está no caminho, está buscando. Melhor do que o que acontece na maioria dos casos: as pessoas se iludem ou usam a palavra sustentável como um jargão vazio, uma forma de marketing.

Colheita Seletiva - Quais as maiores preocupações ambientais do Cabeça de Frade na hora de criar?
Daniela Bobsin - Nossa preocupação é praticamente total, a gente não é ecoxiita, mas quase. Embora ainda não tenhamos conseguido trabalhar de forma 100% sustentável por agregarmos a nossas peças materiais novos, isso é um caminho, uma busca nossa. Atualmente, nossa maior dificuldade está em trabalhar com tintas sem agentes poluentes. Usamos tinta solúvel em água – que é menos agressiva – e nos protegemos com equipamentos de segurança, mas gostaríamos mesmo é de chegar a um pigmento natural. A questão é que, normalmente, nos expressamos com cores fortes, que, por hora, só encontramos nas tintas industrializadas. No mais, procuramos usar o mínimo possível em tudo: energia elétrica, trabalhando de dia e aproveitando a luz solar; o mínimo de água, juntando tudo que precisa ser lavado durante o dia e fazendo isso uma só vez; o mínimo de resíduos, reaproveitando tudo que puder... o pó do lixamento das peças vira cola para calafetar cantos, a fita crepe é reutilizada zilhões de vezes, todos os potes e bandejas que usamos na oficina são reaproveitamentos do dia a dia. Depois que você adquire consciência ecológica, não tem mais como voltar atrás, você não consegue sair poluindo arbitrariamente, procura recuperar tudo o que pode para não virar entulho no lixão.
Fabrício Alves - Pretendemos cada vez mais utilizar materiais de reciclagem (caixas de fruta, restos de madeira e MDF, isopor, papelão etc.), reduzindo o lixo e a extração de matéria-prima natural. Nossas peças são exclusivas e de médio a alto valor agregado, uma forma de diminuir a escala da produção. Pretendemos usar cada vez menos materiais tóxicos, pensando também na nossa própria saúde, o que indiretamente contribui para o meio. Nesse sentido, estamos pesquisando tinturas mais naturais, mas é difícil conseguir a mesma variedade de cores. Temos a intenção de pagar sempre mais para nossos parceiros, produzindo assim um comércio mais justo, o que de certa forma acaba por refletir no aspecto ambiental, já que a desigualdade social potencializa os danos ambientais.

Colheita Seletiva - O que é o projeto Cidades Imaginárias? O que falta para dar certo?
Daniela Bobsin - A ideia veio do Fabrício. Ele sempre quis fazer casinhas de madeira – engraçado que eu é que sou a arquiteta da história. Nós seguimos fotografando casas que gostamos pelos lugares por onde passamos, então montamos um arquivo para servir de base na criação. Na falta de tempo para executá-las, queremos encontrar algum grupo social excluído ou que tenha tempo livre para nos ajudar a realizar este projeto. Eu, particularmente, gostaria de trabalhar com presidiários, pois já participei de um projeto semelhante no Rio Grande do Sul. Acho que o que falta para dar certo é a gente se mexer com um pouco mais de afinco.
Fabrício Alves - As Cidades Imaginárias surgiram como um hobby meu. Eu comecei fazendo casinhas, depois vi que juntas pareciam minicidades, daí comecei a fazer mais porque era divertido reproduzir a arquitetura das casas em miniatura. Eu fazia e ficava viajando nas casinhas, como se fosse mesmo uma cidade. No ano passado, decidi fazer comercialmente porque as pessoas viam lá em casa e gostavam. Por outro lado, as casinhas – tirando a tinta – são de material totalmente reciclado, o que diminui o impacto ambiental e os nossos custos. Gostaria de trabalhar com um grupo de presidiários nesse projeto ou qualquer outro grupo que passa muito tempo parado. Já senti na pele o ditado “cabeça parada é a oficina do diabo”. Qualquer tipo de trabalho funciona como um resgate de autoestima. Se não rolar nenhuma parceria por enquanto, eu arrumo um funcionário e nós mesmos começamos a fazer as casinhas, assim vamos procurando mercados enquanto não conseguimos nenhum grupo interessado.



Quer conhecer mais sobre a dupla e adquirir alguma das peças? Visite o site, ou a própria oficina em Maria da Fé. Ela fica em uma praça cujo nome é Felicidade. www.cabecadefrade.com é o atalho até lá.

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A primeira foto é da minha cidade imaginária particular, uma herança que Daniela e Fabrício me ofereceram. Ela está na parede do meu quarto, no espaço dedicado às boas lembranças que tenho. As demais fotos e o vídeo postados aqui são material de divulgação deles.

8.3.10

Sim, isso fere o meu lado masculino

Quero contradizer Ney quando canta sobre homens femininos. Sou um deles e andei pensando que ser um homem feminino fere, sim, o meu lado masculino. Não dá para não sair ferido quando ouço algum amigo falar sobre a "bunda de uma mina" ser mais importante do que o modo como ela se comporta. E tenho vergonha de ser do time dos homens (vergonha por eles) quando isso acontece. Mulheres são tão complexas que, somente a distância, é possível fazer ALGUM esforço para compreendê-las. Uma bunda com swing não sintetiza uma mulher.

Aliás, nada sintetiza uma mulher.

Saio ferido quando elas me olham pedindo cumplicidade porque as lágrimas são cristais arranhando os olhos. Saio ferido porque são fortes e resilientes como um banco de praça. Elas são cangas de praia se estendendo sob o sol cancerígeno. Elas são um hímem complacente a cada investida do destino. As mulheres são o meu tão esperado orgasmo múltiplo. Por tantas, saio ferido, com o meu lado masculino cheio de marcas de unha.

Este blog é para contar sobre as minhas chances de viver com as mulheres, tentar entendê-las, vivenciá-las na beleza espontânea de seus sexos - aqueles não genitais. Sou tão íntimo delas que me sinto um absorvente interno, inchado, manchado com a sangria de quem convive entre as espécies que cozinham dedicadamente aos seus maridos e as que queimariam sutiãs na avenida Paulista pelos direitos das primeiras.

Começo hoje, dia dedicado a você, mulher, uma série de percepções - ora angustiadas, ora solenemente leves - escritas com o carinho de uma língua na nuca ou uma palavra de amor enviada por SMS em um momento não esperado.

Vez ou outra, escreverei algo aqui. Não prometo frequência. Por isso, volte sempre para saber do que só um homem com F é capaz. Um homem feminino de verdade.


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MULHER DA VEZ

Minha mãe, dissimulando não ver que eu estava fotografando, para sair "natural". Ela, a mais relevante de todas as mulheres que tenho na vida. Tem 66 anos, um gênio de 15 e sorrisos de 5. Tem quatro filhos (todos com parto natural - a guerreira!), quatro netos, genros, nora e um marido pra lá de amante, meu pai. Já vi fazer cada coisa... que é bom nem contar por aqui, embora o que melhor faz é incondicional e instintivo: exercer a maternidade.


Nos posts seguintes, haverá mais mulheres íntimas minhas. Você pode ser a próxima.

7.3.10

Antes ou depois? Durante!

Tenho um bolo de pelos se enovelando no estômago. Sabe quando a gente tem um desafio pela frente e tudo o que pode acontecer não depende só de nós? O que fazer? Estou em um projeto novo na empresa onde trabalho que será tocado essencialmente por mim. Tenho de pensar em tudo de cabo a rabo, dar conta de tudo de rabo a cabo, ser um bombril.

É angustiante saber que as coisas tomam um tempo para se realizarem. A gente sempre quer ver o resultado, ver o depois. O durante pouco importa. Mas tenho exercitado isso em mim. É vendo no caminho - e só no caminho há pedras ou atalhos - o que há de mais gostoso. O aprendizado acontece no durante, não no depois. Não posso esperar que eu tenha aprendido algo no final de todas as contas - o saldo é passível de dúvidas. As memórias são traiçoeiras. Muitas vezes, depois de porres ou açoites, elas nem existem mais. Por isso, minha meta tem sido: menos úlceras e mais cicatrizes na minha história.

Você consegue lembrar, exatamente, qual a dor que sentia quando arrancavam-lhe os dentes-de-leite? Estou aqui vasculhando em meus arquivos e nada acontece. Só lembro do sabor ácido de sangue jorrando na boca e dos dentes atirados sobre o telhado para que os novos crescessem com saúde. Eu cantava: "ratinho, ratão, eu te dou este dente e você me dá um bem grandão". Hoje, tenho todos eles na boca - certo que alguns já com argamassas. E só tenho as lembranças boas porque alguém (meu pai, minha mãe, meus irmãos) me disse que eu tinha de passar por aquilo para cumprir um objetivo. Já naquele momento, eu procurava entender o valor do processo.

Parei, por exemplo, de viajar para algum lugar sofrendo antecipadamente por causa da volta; sofrendo porque o tempo passaria tão rápido e eu já retornaria para a rotina. Agora, eu chego a algum lugar pensando nos instantes que viverei e procuro a salubridade que só tem quem saboreia a bala sem mordê-la antes do fim. Recomendo lembrar das balas Soft (no seu formato antigo) para saber sobre o que estou falando, pois eram tão saborosas quanto perigosas, como é tudo o que vivemos.

Sessões de terapia e boas doses de experiência me fazem acreditar nisso que quero compartilhar com você, sobre o que já sabe ou ouviu falar: o mais importante é o caminho. Tenho posto em prática e tenho aprendido. Vale cada angústia amenizada. E toda angústia amenizada é uma dor a menos.


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Na foto, meu sobrinho Raphael e o primo-sobrinho Arthur caminhando em direção ao gol: ver os jogadores do Cruzeiro treinando na Toca da Raposa, Belo Horizonte, MG, em outubro de 2009. Será que perceberam o que havia de importante entre eles no caminho? Eu percebi e fiz a foto. Eles terão para sempre.

ave de unhas pintadas

tem os dedos pintados de rosa-ternura,
nos loiros cabelos o Sol brinca todo meio-dia

há luzes

radiante sorriso de pronta-entrega
ainda tem muito para viver esta menina,
dizem

mas a experiência é só dela,
sabe o que veio como dom,
sabe o que tem palpitando no peito

é que Deus só investe nas asas
quando a pessoa já tem coragem
e destino

outono no meio,
mas o inverno vem chegando

ela vai migrar,
como uma ave de unhas pintadas
e adolescentes

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para Rafaela, que logo, logo sairá do ninho porque já tem coragem.