14.3.10

Ajoelhou? Tem que reaproveitar

“Começamos juntando restos de MDF e madeira que iriam para o lixo ou, pior, seriam queimados em marcenarias e serrarias da região, e transformamos isso nas casinhas das Cidades Imaginárias ou em simbologias e florzinhas para os Oratórios Pop”, explica a arquiteta, designer e artesã Daniela Bobsin. A quatro mãos, contando as de Fabrício Alves (antropólogo, designer, artesão e marido de Daniela), ambos vão descobrindo um jeito de alimentar a espiritualidade dos seus clientes, produzindo um artesanato belo e ambientalmente menos danoso. Ou, pelo menos, seguem uma meta de tentar sê-lo.

Eu os conheci por causa da seção Ecodécor (seus produtos colorem a página 39 da revista Casa Decoração, número 31, do mês de março), para a qual escolhi a história da labuta da dupla e suas intenções ecológicas a serem publicadas. Além de oratórios lindos e cidades imaginárias poéticas (foto acima), eles tinham “what it takes” para estamparem a coluna que assino na revista. Reutilizam materiais, procuram gastar menos recursos naturais, menos matérias-primas, e ainda têm uma visão abrangente do que é sustentabilidade.

A entrega foi tão grande, com uma abertura de peito ampla, que meu abadá foi passar o carnaval de 2010 com eles. Subi a serra do sul de Minas Gerais – e levei mais 16 pessoas comigo – para conhecer uma cidade curiosa de perto e, por consequência, conhecê-los. Foi em Maria da Fé, a cidadezinha mineira mais marcante que visitei ultimamente, que nos abraçamos depois de um longo contato por e-mail. Eles estavam mascarados, sorrindo e cheios de alegria no discurso e nos rostos quando desceram do carro ao chegarem à fazenda onde estávamos hospedados. Dali para a frente, formamos o nosso próprio bloco e o pusemos na avenida. Sem cordas. Sem amarras.

Porque nossa amizade veio além de um contato profissional e marchinhas de carnaval, pedi que me respondessem, separadamente, a algumas perguntinhas sobre seu trabalho. E o fizeram "com todo gosto", segundo eles mesmos, para estarem aqui no Colheita Seletiva. O resultado você confere nas respostas abaixo e nas imagens que estampam este post. Leia sobre o que pensam a respeito de sustentabilidade, artesanato e meio ambiente os integrantes da Oficina de Arte Cabeça de Frade.

Colheita Seletiva - Qualquer trabalho artesanal é sustentável?
Daniela Bobsin - Nem todo artesanato é sustentável no sentido de preservar a natureza, mas o é no sentido de dar sustento a um indivíduo que é parte do meio ambiente. A busca é justamente essa, encontrar o sustento próprio em um produto feito artesanalmente, mas que não gere resíduos demasiados.
Fabrício Alves - A sustentabilidade não é algo acabado, ela se parece mais com uma meta. Você nunca vai ser 100% sustentável, já que qualquer ação do homem no meio ambiente, mesmo com materiais renováveis, causa certo desequilíbrio. Para se fazer qualquer trabalho que implique em alguma forma de produção de maneira sustentável, é preciso ter sempre em mente as diferentes dimensões da sustentabilidade (social, cultural, econômica e ambiental) e tentar buscar o equilíbrio dessas dimensões de forma sincera. Assim, mesmo que o seu trabalho não seja ainda 100% sustentável, pelo menos, você está no caminho, está buscando. Melhor do que o que acontece na maioria dos casos: as pessoas se iludem ou usam a palavra sustentável como um jargão vazio, uma forma de marketing.

Colheita Seletiva - Quais as maiores preocupações ambientais do Cabeça de Frade na hora de criar?
Daniela Bobsin - Nossa preocupação é praticamente total, a gente não é ecoxiita, mas quase. Embora ainda não tenhamos conseguido trabalhar de forma 100% sustentável por agregarmos a nossas peças materiais novos, isso é um caminho, uma busca nossa. Atualmente, nossa maior dificuldade está em trabalhar com tintas sem agentes poluentes. Usamos tinta solúvel em água – que é menos agressiva – e nos protegemos com equipamentos de segurança, mas gostaríamos mesmo é de chegar a um pigmento natural. A questão é que, normalmente, nos expressamos com cores fortes, que, por hora, só encontramos nas tintas industrializadas. No mais, procuramos usar o mínimo possível em tudo: energia elétrica, trabalhando de dia e aproveitando a luz solar; o mínimo de água, juntando tudo que precisa ser lavado durante o dia e fazendo isso uma só vez; o mínimo de resíduos, reaproveitando tudo que puder... o pó do lixamento das peças vira cola para calafetar cantos, a fita crepe é reutilizada zilhões de vezes, todos os potes e bandejas que usamos na oficina são reaproveitamentos do dia a dia. Depois que você adquire consciência ecológica, não tem mais como voltar atrás, você não consegue sair poluindo arbitrariamente, procura recuperar tudo o que pode para não virar entulho no lixão.
Fabrício Alves - Pretendemos cada vez mais utilizar materiais de reciclagem (caixas de fruta, restos de madeira e MDF, isopor, papelão etc.), reduzindo o lixo e a extração de matéria-prima natural. Nossas peças são exclusivas e de médio a alto valor agregado, uma forma de diminuir a escala da produção. Pretendemos usar cada vez menos materiais tóxicos, pensando também na nossa própria saúde, o que indiretamente contribui para o meio. Nesse sentido, estamos pesquisando tinturas mais naturais, mas é difícil conseguir a mesma variedade de cores. Temos a intenção de pagar sempre mais para nossos parceiros, produzindo assim um comércio mais justo, o que de certa forma acaba por refletir no aspecto ambiental, já que a desigualdade social potencializa os danos ambientais.

Colheita Seletiva - O que é o projeto Cidades Imaginárias? O que falta para dar certo?
Daniela Bobsin - A ideia veio do Fabrício. Ele sempre quis fazer casinhas de madeira – engraçado que eu é que sou a arquiteta da história. Nós seguimos fotografando casas que gostamos pelos lugares por onde passamos, então montamos um arquivo para servir de base na criação. Na falta de tempo para executá-las, queremos encontrar algum grupo social excluído ou que tenha tempo livre para nos ajudar a realizar este projeto. Eu, particularmente, gostaria de trabalhar com presidiários, pois já participei de um projeto semelhante no Rio Grande do Sul. Acho que o que falta para dar certo é a gente se mexer com um pouco mais de afinco.
Fabrício Alves - As Cidades Imaginárias surgiram como um hobby meu. Eu comecei fazendo casinhas, depois vi que juntas pareciam minicidades, daí comecei a fazer mais porque era divertido reproduzir a arquitetura das casas em miniatura. Eu fazia e ficava viajando nas casinhas, como se fosse mesmo uma cidade. No ano passado, decidi fazer comercialmente porque as pessoas viam lá em casa e gostavam. Por outro lado, as casinhas – tirando a tinta – são de material totalmente reciclado, o que diminui o impacto ambiental e os nossos custos. Gostaria de trabalhar com um grupo de presidiários nesse projeto ou qualquer outro grupo que passa muito tempo parado. Já senti na pele o ditado “cabeça parada é a oficina do diabo”. Qualquer tipo de trabalho funciona como um resgate de autoestima. Se não rolar nenhuma parceria por enquanto, eu arrumo um funcionário e nós mesmos começamos a fazer as casinhas, assim vamos procurando mercados enquanto não conseguimos nenhum grupo interessado.



Quer conhecer mais sobre a dupla e adquirir alguma das peças? Visite o site, ou a própria oficina em Maria da Fé. Ela fica em uma praça cujo nome é Felicidade. www.cabecadefrade.com é o atalho até lá.

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A primeira foto é da minha cidade imaginária particular, uma herança que Daniela e Fabrício me ofereceram. Ela está na parede do meu quarto, no espaço dedicado às boas lembranças que tenho. As demais fotos e o vídeo postados aqui são material de divulgação deles.

1 comentário:

Cabeça de Frade disse...

Rômulo, querido, quanta honra em figurar em espaço teu! nosso muito obrigada sempre!
saiba que a entrega foi recíproca, aliás, quando vamos nos ver de novo? aliás, hã hãn, ouvi falar dumas tais fotos... :D
beijooooo!!!! que venham os raftings!