17.1.10

Sobre árvores, livros e filhos


Plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho. Em dias de reflexão sobre o meu papel na existência, essa máxima imposta ao que se espera de uma vida é inquietante. Foi José Martí, poeta cubano, que um dia levantou a poeira sobre o que faz um ser humano completo com sua ideia dos objetivos estarem entremeados por árvores, filhos e livros. Hoje, ditado popular e até clichê - como este post o é -, a frase de José me veste bem. De todas essas realizações, somente concretizei a da árvore até agora.

Inúmeras vezes semeei a minha vontade de fazer o solo fértil por aí: nas caminhadas até as cachoeiras; nas sementes pisoteadas que carrego na sola; nas tentativas de fazer mudas dentro de vasos na varanda de casa. Plantar árvores é o que se faz mais fácil de concretizar na vida. Basta ter semente, terra fértil, água e um pouco de entrega.

Minha relação com árvores sempre foi muito, digamos, íntima. Sempre adorei ficar sob a sombra de uma copa grande de mangueiras, brincar em balanços presos aos galhos de uma jaqueira (menos perigosa, claro), subir nos pés-de-tamarindo ou jambo de tia Nora para colher os frutos fresquinhos. Passei a infância rodeado de frutíferas. Na minha casa, por exemplo, havia um pé-de-acerola que vivia pintado de um frescor carmim, adorado pelos moleques (meus amigos) da rua. Toda safra era motivo de gritaria da minha mãe porque eles trepavam no muro de casa e balançavam o pé até que as acerolas rolassem pela calçada: "parem com isso, meninos, vocês vão matar minha planta", vociferava maternalmente. Além disso, havia a mangueira de frutas cadentes e estrondosas de dona Nice, as carambolas e araçás verdinhas de tia Tereza - boas vizinhas que eram - esperando que eu as colhesse dos seus pés.

Existe um quê de poético no ato de se plantar uma árvore. É como se fosse depositada naquela semente a esperança de tudo que se acredita ser bom, útil e sagrado. O que está por vir tem a força de um recém-nascido e o encantamento de um livro, mas não chora ou faz chorar com facilidade. Tem a identidade de uma criança ou a essência da literatura, mas não faz manha ou é terrivelmente laborioso a cada parágrafo. É tão valioso como um sorriso da filha que se casa ou uma última página conquistada, tão eterno enquanto dura na memória.


Ao que José Martí pregava, plantar uma árvore é das coisas mais fáceis de se fazer e, de algum modo, tem o mesmo propósito que as outras duas: inspirar o dia a dia. Enquanto você não escreve o livro ou tem o filho, quero ajudar na sua realização de plantar uma árvore. Tenho três envelopes contendo sementes de aroeira-pimenteira, cedro rosa e jacarandá da Bahia para doar. Faça um comentário sobre este post contando uma lembrança sua que envolva alguma árvore que eu enviarei por correio os envelopinhos. As três primeiras pessoas que comentarem receberão a oportunidade de verdejar a própria história e contribuir para a preservação de algumas espécies, como o jacarandá da Bahia, na lista do Ibama que contém árvores ameaçadas de extinção.

E depois?

É só semear.





4 comentários:

Aléxis Góis disse...

Este comentário foi removido pelo autor.

Aléxis Góis disse...

Olhe bem... já escrevi um livro. Como não pretendo ter filhos tão cedo, acho que plantar uma árvore seria uma boa ideia. Eu gosto de namorar as árvores. Principalmente aquelas nas beiras das estradas. Às vezes, acho, que elas foram plantadas ali esperando que alguém descubra sua beleza. E se ela residir perto de uma estrada de terra, então! Agora, por esses dias, estou descobrindo as árvores do cerrado. Hoje mesmo li uma frase muito legal: "nem tudo que é torto é errado/vide as pernas de Garrincha e as árvores do cerrado".
Enfim, um lugar sem árvores é um lugar morto. Pena que não posso plantar um Jacarandá no meu apartamento! Ainda vou ter de achar um terreno - fértil - para arborizar minha vida.
Belíssimo texto! Um beijo!

Anônimo disse...

Adorei seu texto!!!
Já plantei árvores e tenho uma filha, mas ainda não escrevi um livro. Se fosse pra escolher o assunto ainda hoje seria com certeza sobre os tempos depois do nascimento porque nada mudou e marcou minha vida tanto como minha filha. É maravilhoso de ver como ela se encanta com a beleza da natureza e de descobrir junto com ela tudo isso com um olhar diferente de novo. Ou de ouvir ela exclamar "Quero me tornar escritora!" ao escrever as primeiras frases.E de contar pra ela as historias dos romanos que acreditavam que as árvores eram a moradia das fadas.
Sinto muita falta das longas caminhadas pelas florestas grandes da minha terra, aquele ar puro cheio de oxigénio, a luz cintilante, o solo macio que me deixou sentir a forte energia que só vem da natureza.
Acho está na hora de semear esperança e experimentar isso com minha filha.
Um beijo
Jutta + Luiza

Lilian Juliana disse...

Uma vez, uma amiga do trabalho, a Bárbara, apareceu com um saquinho de sementes. Ela disse que saía sempre com as sementes na bolsa. Quando via um espacinho aconchegante no meio do concreto nosso de cada dia, mandava a semente pra terra.

Eu achei a ideia um máximo! Peguei um montinho e levei pra república. Rominho, que na época não só morava comigo como enchia minha vida de um azul amor, com todo cuidado do mundo, plantou as sementes por aí. Algumas ficaram com a gente. Foi assim que nasceram o Pedrinho, o Guilherme e o Chamadoira, nossos brotinhos.

Pedrinho e Guilherme, mais fortes por natureza, cresceram rápido. Deixamos eles ganharem o mundo no meio de um bosque perdido perto de uma cachoeira. Chamadoira, mais apegado, foi junto com Rominho pra São Paulo, onde continua até hoje feliz abraçando um cantinho de varanda. O pai, orgulhoso, continua semeando por aí: árvores, conhecimento, saudade!

Rominho, a árvore frondosa da Getúlio continua resistindo bravamente. Sua sensibilidade, impregnada nessas fotos e nessas frases, também.
Que parágrafo é este do “quê poético”?! Lindo!!! Ganhei a semana com ele. E estas frutas cadentes? Topa se jogar comigo embaixo de uma árvore cheiinhas delas e ficar lá olhando pra cima. Ficar lá hipnotizado como quando a gente olha o céu e fica imaginando como a gente é pequeninho diante de tanta imensidão.

Espero seu livro e nossos filhos!

Beijos e sementinhas!