12.3.09

Movimento de um sem-tempo

Faz alguns anos, não sei o que é manejar meu tempo direito. Consulto os relógios, repetidamente, para checar quando devo entregar as matérias para meus editores, fazer as contas da casa, o momento exato de entrar na aula da academia, em que instante ligar para meus pais, responder e-mails dos amigos, ler um trecho de um livro, as notícias do dia... faço tudo isso contadinho, minuto a minuto, para não me atrasar. É uma rotina que me cativa, me agrilhoa como um velho marujo preso em uma praia em que as pedras afundam navios. Eu estou lá no fundo, quase esquecido.

Aos 25, tenho receio de perder a vicissitude da época em que tudo poderia ser mais espontâneo, menos vicioso e mais perene. Ao passo que a areia escorrega na ampulheta, percebo minhas experiências perdidas naquilo que não mais posso recuperar e é tão evanescente quanto um incenso: minha vida. Sou escravo do tempo, que me prende num pelourinho e chicoteia, deixando chagas na pele e cerceando minhas memórias. Nem meditação consigo fazer porque minha ansiedade tem a ver com o futuro. Sou faminto pelo instante-próximo – e me sinto insaciável.

Enquanto escrevo, pergunto-me até onde (e quando) quero (ou posso) ir com isto aqui. Olho no canto do monitor para checar se é hora de dormir ou se tenho mais alguns minutos para me prolongar na experiência deliciosa de redigir sem compromisso. Porém faltam seis horas para eu me levantar e driblar o sono que acumulo diariamente. Então, lembro do maior símbolo de descompromisso que tenho perto de mim.

Na sala do apartamento onde moro, existe um relógio de parede emperrado há quase dois anos. São sempre 4h10m42s. Não adianta trocar as pilhas, nem levar para o conserto. Nem o quero fazê-lo, assim como meus amigos que o compartilham – e moram – comigo. Talvez tenhamos um desejo inconsciente de que, enquanto estivermos em casa, só haja movimento lá fora, só haja caos no entorno e que perdure tranquilidade entre nossos metros quadrados de lar.

É comum varrer o apartamento em busca de objetos que revelem as frações de tempo e, instintivamente, olhar para o tal do relógio que quem nos visita julga não ter utilidade e questiona “para que esse relógio parado?”. Para que os ponteiros, invariavelmente no mesmo lugar, aliviem-me com um quase gozo ao me dizer que nada mudou, nada se perdeu entre os milésimos atrás e o agora. E é nesse intervalo que me vem à cabeça a máxima de Raduan Nassar, em seu livro Lavoura Arcaica: “O tempo é o maior tesouro de que um homem pode dispor. Embora inconsumível, o tempo é o nosso melhor alimento”.

Por isso, gostaria de fundar um movimento para unir os que se alimentam do tempo e desejam saboreá-lo vagarosamente. Topa? Siga um conselho de quem não sabe lidar com ele, mas, pelo menos, vem tentando. Garimpe um relógio, evite as pilhas e registre nos ponteiros o seu melhor instante do dia, aquele que será alarme silencioso para suas pequenas fugas de rotina. O relógio, certamente, revelará quantos segundos ainda faltam para você se dar conta do que está por vir: os gritos de seu miálgico coração, vívidos e incoerentes como os reflexos na paisagem de uma alma cujo corpo o tempo não poupa.

3 comentários:

Lilian Juliana disse...

Rominho!

Sabe quando você senta em frente ao mar e fica ouvindo o barulho das ondas quebrando? Quando você sente o sol na pele e a areia preenchendo os espaços entre os dedos? Ler um texto seu é mais ou menos assim.

Um respiro calmo na praia em que os navios não chegam...

Como nunca, estou sem tempo. Pedras? Um montão delas.... Mas para dar um pulinho aqui, a gente pára o relógio em 4h10m42s (saudade de ser encantada por este relógio e ficar, sem pressa, perto de vocês).

Quanto a perder a vicissitude, bobeira. Tenho certeza de que quando você for um velhinho fazendo cruzeiros da terceira idade, vai pensar: "quando tinha 25 anos, eu vivia a vida como ela deveria ser vivida". Dai, você vai contar tudo pro velhinho do seu lado e ele vai concordar. Pra comemorar, vocês vão saltar do navio de mãos dadas como duas crianças serelepes com a boca lambusada de sorvete de chocolate....

Beijocas! :B

AMO VOCÊ! Profundamente...

Ziza disse...

Uma das minhas experiências favoritas é perceber o esvair do tempo. Passo minutos inteiros me sentindo passado, e passado, e passado...

Diferente de vc não sou tão amiga dos relogios, e disso sabem todos os meus amigos que já esperaram minha presença à mesa.

Mas como ser pontual e presente quando o maior gosto é escorrer pela linearidade das horas?

bjos pontuais e já atrasados...

(seu texto é outra das minhas experiencias especiais!)

Viktor disse...

Eu fico realmente impressionado com a sua escrita... e linda... voce e algo precioso que surgiu aqui na minha noite, despretencioso e quase efemero... caindo nas contradicoes mais previsiveis que alguem como voce poderia cair. Eu gosto do desenho da sua escrita, me encanta e me fascina... beijos!

Vi