21.4.10

vinte segundos

Elevador social, SESC Consolação, rua Doutor Villa Nova, 245, Centro. São Paulo, SP.
Sexto andar, por favor. Toda terça e quinta, na subida à academia do SESC Consolação, a senhora do elevador me escuta. E só isso. Na saída, muito obrigado.

Olhar para cima não resolve a vergonha de quem se vê em um espaço de quatro metros quadrados, sem fuga e levadiço. O ventilador no teto irrita o olho, embora seja por ele a única passagem para o escape se emergencial. Todos cabisbaixos para não se enfrentarem. Todos desconhecidos com suas vestes esportivas, suas mochilas cheias de timidez, toalhas de suor, água mineral, angústias matutinas, xampus, bermudas de laicra e barrinhas de cereal.

São vinte segundos até o andar do vestiário. A música é um cântico murmurado pela senhora que aperta os botões. Ele me remete às canções religiosas pelo timbre doce e as variações quase barrocas. Humhumhumhumhum.

Deixei que cantasse sozinha até semana passada. Me peguei no mesmo tom, acompanhando seu segredo musical, lamúrio não-identificado. Ela murmurava algo divino. Eu, uma tola letra do Fábio Júnior. São pequeninos grãos de areia tão fininhos que qualquer vento menino leva para outro lugar.

Depois disso, nunca mais cantou em minha presença. Depois disso, só me levou ao sexto andar em um silêncio incomodado.

Passarei a subir de escada na próxima ida à academia porque gosto mais de ascensoristas murmurantes do que de uma senhora triste e muda - guiando um elevador com plateia desatenta. Desligue seu celular antes do espetáculo.


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