26.12.12

bem-casados

Nos vejo de véu e grinalda. Não, não. Melhor: de gravatas, ambos nós. De cuecas novas. Nomes amigos nas barras das boxers. Dia dos noivos. Banheira e champagne. Álbum de família. Poesias. Heresias. Beatas. Cruzes! Nunca. Anéis nos anais. Árvores. Balanço. Bandeirolas. Decoração. Bodas anuais. Registros. Cartórios. Convites. Lista. Damas de honra. Por do sol. Breve atraso. Vejo Deuses e Deusas, mas não igreja. Uma pena. Canetas. Padrinhos. Marcha. Coral. Som do mar. Sim de mim. E de vc? Alívio - ninguém contra nada, nada contra. Enfim, sós. S.O.S. Me abrace bem. Bem meu, abrace-me. Em comunhão total. Pode (me) beijar o noivo.

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Com/para FBNJr.

22.12.12

certas pessoas

mainha, venha ver o que
certas pessoas
estão fazendo
no quintal
- denuncia a irmã mais velha

dedo em riste
contraindicado é

vigilância ferrenha,
todos de olho num futuro
promissor:
vermífugo,
óleo de fígado de bacalhau,
termômetro
- fazer sua parte

o medo é da gravidade do problema ou da gravidez, um problema? cansaram da espera ou da esperança? ignoram sua realidade ou a real idade?

enquanto você se pre/ocupa com manter
o status quo da sua adultice
("comer,
rezar,
amar"),
eles querem
"bebida,
diversão
e arte"

- os infantes declaram guerra de pitangas no quintal,
dizem mostra-o-seu-que-mostro-o-meu,
pegam borboletas (pelas asas!) em pleno voo

e você?
não reprima

se criança,
deixe estar

5.12.12

tremores

temo as lentes bifocais,
o lápis preto,
o delineador

temo a máscara facial,
os pepinos fora da salada,
o Renew

temo a abdominoplastia,
as aulas de abs,
o cheiro do umbigo

temo o Viagra,
a bengala,
o Alzheimer

temo esquecer,
vegetar,
bater as botas

e me dou conta
de que não tenho tempo a perder
nem com os atuais temores,
nem com os futuros tumores
- incertos como um infarto

me conforto, então,
com alguns inevitáveis abalos
e seus registros na escala de Richter

4.12.12

parada solicitada

Estou no ponto,
diz quem me deseja

Estou quase no ponto,
diz quem me analisa

Estou no ponto e cansado de esperar,
digo aos meus botões
- neste instante, todos fora das respectivas casinhas

Com o peito aberto,
pegarei o primeiro ônibus que aparecer de agora em diante,
penso
- desisto de gastar minhas horas com isso

Sinal de pare,
feição de bravura,
a nota é de cem reais
- foda-se o cobrador
que nunca me olha na cara
e escuta sua música
em estilo qualquer-coisa-perturbadora universitária
no penúltimo volume

Cedo lugar para a moça
que julgo estar grávida
- a única coisa boa do caminho:
não falo da cessão,
mas do julgamento,
da dúvida,
dos "ses" dela
(menino ou menina?
macho ou fêmea?
hétero ou homo?);
e dos meus
(serei pai?
serei mãe?
serei ser?)

Solicito parada
puxando a alavanca de emergência
em vez da frágil e virulenta cordinha plástica:

Só assim, com estilhaços de vidro na pista,
passageiros horrorizados
e sirene de polícia,
darei meu troco máximo
pela longa espera

Obrigado, motorista

5.11.12

é o seu aniversário

Cada dia que passa é passatempo. Se foi o abraço de felicidade, que seja, que será.

O aniversário é diário, a vida comemorada página a página na folhinha: onde quer que seja, onde for que se queira, onde há andares, aonde formos nós. Adiante? De que adianta correr tanto se, ao mais surpreendente tropeço, a vela se deita sobre o bolo e se lambuza no desejado - e assediado por dedos - chantilly? Agora, ali, todos ao redor.

(porém)

Nós: não-sei-quantos-anos de choro por causa de uma vela que não se apaga de jeito nenhum. E os nós se acumulam na garganta ofegante pelo fracasso de um sopro. Não, não, não. Não se derrame. Lágrimas, na hora das palmas, são como as gotas de parafina que fingem ser confeito. Tenha cuidado com elas. Lágrimas grudam nos olhos para sempre; já a parafina desce corpo adentro.

Hoje, neste dia que é seu aniversário, tenha cuidado com você. Eu tenho cuidado de você de alguma maneira. Fotografias e tudo o mais para nossas timelines. Curtimos.

Ah, amanhã, quando a festa acabar, pedirei ao senhor Mark Zuckerberger que devolva a minha fôrma (minha antiga forma) de parabenizar os meus. Tenho me acostumado com a distância. Sinto que isso não é bom, embora cômodo seja.



30.10.12

uma luz para Narciso

Narciso diz que não há amor na discoteca
porque não gosta de se ver no globo espelhado:
cada fragmento seu,
cada um de si que não se coaduna

na balada,
a alma de Narciso
é luz refletida em mil vaga-lumes
sobre a parede negra
- desperdícios

o todo é o devaneio de Narciso,
a revelação de se amar por inteiro
"é que Narciso acha feio o que não é espelho",
enquanto frita na pista de dança
e se perde na darkroom

no escuro, ninguém é perfeito
(o suficiente)
para Narciso
- nem ele mesmo

20.10.12

baseado em boatos reais

há pouco,
na telinha,
ouvi dizerem que
o mundo acaba logo,
Coca Cola traz felicidade,
perdão é coisa de novela.

mas se esperto for,
ouça o que digo:
de verdade,
há pouco na telinha.