Antonia gostou tanto de um presente dado por sua sobrinha, uma bolsa feita de crochê e lacres de alumínio, que resolveu reproduzir o modelo e inventar produtos.
'Por aquela bolsa, eu fui tirando ideias, inventando uma coisa e outra. Fiz cortinas, vestidos.' Os lacres chegam à sua casa por meio de doações de vizinhos e parentes. Todos os que conhecem o trabalho dela nunca se esquecem de guardar a matéria-prima. Em troca, recebem presentes e gratidão.
'Só na cortina da janela, foram 3.600 lacrinhos', revela Antonia. Em vez de ocupar aterros sanitários, onde podem demorar 200 anos para se decompor, esses lacres metálicos são reaproveitados e ainda ajudam a complementar a renda da artesã. Ela sabe que os lacres, assim como as latas, são recicláveis, mas prefere transformá-los em artesanato. Antonia não guarda os segredos do que faz: já compartilhou sua arte com muitas pessoas.
'Dá para ganhar um trocadinho', diz outra aposentada, Maria Zochi, de 74 anos, que se tornou artesã por influência de Antonia. O que Maria aprendeu com a amiga serviu para gerar renda e passar o tempo.
Aparecida da Silva, de 43 anos, outra aprendiz do grupo, é mãe de uma criança deficiente e produz em ritmo acelerado bolsas de crochê e lacres para ajudar a pagar o tratamento do filho. Assim como a mestra Antonia, ela é consciente de seu papel ambiental. 'O que eu faço vai se transformar em coisas bonitas e não vai ser jogado no lixo', explica Aparecida.
O artesanato produzido por Antonia e Maria é uma alternativa ao ócio, comum na vida de idosos. O crochê e os lacres devolveram a oportunidade de interagir novamente com pessoas fora do círculo familiar.
'Uma atividade artesanal contribui para o desenvolvimento de habilidades psicomotoras e cognitivas, além de favorecer a ampliação do repertório social, para o contato com outras pessoas e, em alguns casos, a geração de renda', diz o psicólogo Salvador Rebelo, secretário do Projeto Revivendo, comunidade da terceira idade da USP/Bauru.
Quem adquire algum de seus produtos logo os divulga para outras pessoas. Assim, as artesãs recebem mais fregueses em casa. O brilho nos olhos de Antonia ao falar de seu artesanato reflete tudo o que já produziu. Orgulhosa desse trabalho, ela não se esquece de mostrar os vários certificados pendurados na parede da sala. Em destaque, o de agente ambiental, recebido por multiplicar seus conhecimentos numa oficina da qual participou.
Além disso, Antonia afirma que sua produção não vai parar tão cedo. Salvador analisa: 'Considerando-se produtiva, ela se distancia do universo de rejeição, preconceito e exclusão que cerca o idoso.'
Quem quiser aprender o que faz a artesã, basta visitá-la, na Vila Formosa, bairro da zona leste. É possível conferir a produção de alguém que, em referência às conhecidas organizações não-governamentais, pode ser chamada de 'indivíduo não-governamental'.
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O Estado de S. Paulo, em 26/09/06 - Autor: Romulo Santana Osthues
3 comentários:
Olá Romulo
Gostei da idéia e as orientações de como confeccinar um muito boa. Ah! nada como saber aproveitar e criar!
Um abraço
Annalu
Este texto me traz tantas lembranças boas...
O finzinho da faculdade, a doçura da Dona Antônia, nossa fantasia em morar na Espanha (e um dia a gente vai...).
O texto é lindo! Mereceu a premiação do Estadão na época. E é o brotinho do seu talento pra conscientizar sobre sustentabilidade de maneira simples e apaixonante!
é bom preservar;;...
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